Este acordo quer deixar (bem) claro qual é o papel dos animais no laboratório

No início da tarde desta quinta-feira, em Braga, é lançado um compromisso sobre a transparência da experimentação animal que já conta com a assinatura de 16 instituições científicas portuguesas.

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Qi Zhou/Academia Chinesa de Ciências/Reuters

Melhorar a compreensão e a aceitação dos portugueses sobre as experiências com animais em laboratório. Este é o principal objectivo de um acordo lançado esta quinta-feira, por volta das 14h30, durante o IV Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências em Animais de Laboratório (SPCAL), que decorre na Escola de Medicina e Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde da Universidade do Minho, em Braga. Chama-se Acordo de Transparência sobre a Investigação Animal em Portugal e já foi assinado por 16 centros de investigação e universidades portuguesas.    

“À semelhança do que muitas vezes é prática comum em Portugal, a investigação em animais sempre foi feita com a máxima discrição por ser um tema sensível”, começa por explicar Ricardo Afonso, médico, professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e presidente da SPCAL, que apoiou e divulgou o acordo. “Também devido a uma maior consciencialização da sociedade têm sido levantadas muitas questões quer sobre a necessidade quer sobre a pertinência de usar animais na investigação biomédica.” Por isso, no âmbito deste acordo, as instituições científicas devem deixar bem claro que usam os animais com o máximo de ética, com um elevado padrão de qualidade e que cumprem todos os regulamentos. 

E o que terão de fazer as instituições que aderiram ao acordo? Terão de cumprir cinco estratégias de transparência. Primeiro, terão de colocar uma declaração referente ao bem-estar animal no seu site e um link para o acordo de transparência (que ainda não está, mas ficará online). Depois, terão de dar aos órgãos de comunicação social e ao público em geral informações que sejam necessárias e pertinentes sobre as condições em que é feita a investigação em animais e os seus resultados. Por fim, as instituições terão de desenvolver iniciativas que promovam o conhecimento e a compreensão da sociedade sobre a experimentação animal, assim como reportar anualmente os progressos obtidos e mostrar como os animais foram úteis.   

“Este é o momento certo para tentarmos transmitir com conhecimento de causa e da forma mais assertiva possível a necessidade e a forma como se desenvolve a experimentação animal”, considera Ricardo Afonso. Para o presidente da SPCAL, a sociedade portuguesa tem vindo a fazer um grande percurso na literacia científica. Mesmo assim, o médico refere que as pessoas precisam de ser informadas, contextualizadas e de saber que os animais são utilizados porque são necessários para o avanço da medicina.

Da mosca para o ratinho 

Muitas pessoas também se mostram mais relutantes relativamente à utilização de ratinhos, ratos ou macacos (sendo que a experimentação em macacos não é permitida em Portugal) em vez de moscas-da-fruta e Ricardo Afonso diz que isso tem uma justificação. “Quando passamos da mosca para o ratinho estamos a dar um passo gigante em tudo o que são sensações de dor ou de mal-estar que podemos provocar ao animal, para além de que as pessoas têm mais aversão”, explica o médico. “E há uma grande diferença no desenvolvimento do sistema nervoso de um e de outro. O ratinho, no que diz respeito ao seu desenvolvimento, é um animal mais complexo comparado com a mosca.”

E quanto aos modelos alternativos que podem substituir os modelos animais? Actualmente já existem modelos matemáticos, culturas de células, culturas de tecidos ou órgãos que podem servir como modelo de investigação, mas ainda não há alternativas que substituam completamente o modelo animal (e o modelo humano) para o estudo de algumas doenças e desenvolvimento de alguns fármacos e vacinas.

Além disso, qualquer investigador que utilize animais em laboratório terá de aplicar a “Política dos 3R”: “Replacement” (substituição de animais por todos os modelos alternativos que se possam encontrar), “Reduction” (redução do número de animais) e “Refinement” (refinamento das técnicas utilizadas que induzam o menor mal-estar possível aos animais). É na aplicação da “Política dos 3R” que assentam as legislações europeia e portuguesa.

“Penso que falo por todos os investigadores que usam modelos animais: todos gostaríamos de ter modelos alternativos completos e eficazes ”, afirma Ricardo Afonso, frisando que há investigação no sentido de se criar novos modelos alternativos. “A médio e curto prazo, será muito difícil substituir completamente o modelo animal. Mas se alcançável, é o desejável.” 

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Qi Zhou/Academia Chinesa de Ciências/Reuters

Voltando ao acordo de transparência. Tudo começou em Fevereiro de 2017 numa reunião em Lisboa organizada pela Associação Europeia de Investigação Animal (EARA, na sigla em inglês) sobre a compreensão e aceitação da experimentação animal em Portugal. A EARA propôs então que se desenvolvesse um acordo de transparência sobre esse tema, que foi apoiado pela SPCAL e baseado no Acordo de Transparência Espanhol lançado em 2016.

Passados sete meses, a SPCAL já estava a enviar para várias instituições científicas do país uma carta – que materializava o primeiro compromisso deste género em Portugal –, onde as convidava a assinar o acordo. Ao todo, foram contactadas cerca de 24 instituições e 16 responderam afirmativamente ao convite (nenhuma delas o recusou). Entre elas estão a Fundação Champalimaud ou o Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa; o Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras; o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto; a Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; o Centro de Ciências Marinhas, em Faro; ou o Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, em Braga.   

Agora, no congresso da SPCAL com o tema “Qualidade e Transparência na Investigação com Animais de Laboratório”, surgiu a oportunidade certa para apresentar o acordo. Numa primeira parte, o compromisso será apresentado por Ricardo Afonso, Kirk Leech (director-executivo da EARA) e Nuno Sousa (presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho), o rosto deste acordo. “O professor Nuno Sousa aparece como um investigador de renome na área da biomedicina, os resultados do seu processo científico são validados e, em muitas ocasiões na sua carreira, utilizou modelos animais para obter resultados que permitiram avançar o conhecimento na sua área”, justifica a escolha Ricardo Afonso.

De seguida, ainda haverá um debate sobre a relevância do acordo e a sua utilidade para a sociedade com a participação da presidente da Comissão Nacional para a Protecção dos Animais Utilizados para Fins Científicos, Yolanda Vaz, que também representará a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária; da deputada do Partido Social Democrata, Laura Magalhães; e de Sara Carneiro Fernandes, do Conselho de Jurisdição Nacional do partido Pessoas-Animais-Natureza.

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