Fisco aperta controlos ao desconto no IRC pela criação de emprego

Grupo de trabalho já tem pistas sobre metas da reforma dos benefícios fiscais. Finanças querem novo “modelo objectivo” para avaliar se um incentivo deve ou não continuar a existir.

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O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais criou um grupo de trabalho sobre benefícios fiscais Daniel Rocha

O grupo de peritos chamado a olhar à lupa cada um dos benefícios fiscais teve a primeira reunião ontem à tarde, começando a preparar o caminho para medir os custos e benefícios dos incentivos concedidos às empresas ou contribuintes singulares (através de uma dedução, uma taxa reduzida ou um abatimento fiscal, por exemplo).

Os trabalhos do núcleo de especialistas coordenados pela economista Francisca Guedes de Oliveira começaram agora e há áreas onde o Governo fez uma parte do diagnóstico. O sistema de controlo dos incentivos fiscais no IRC pela criação de emprego tem brechas e, para evitar situações de fraude e abusos das empresas, o executivo reconhece que é preciso reforçar os mecanismos de fiscalização.

Em cima da mesa nas Finanças está a ideia de avançar com uma plataforma de partilha de informação entre a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o Instituto da Segurança Social e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para que o fisco saiba de forma mais eficaz se uma empresa está, ou não, a acumular incentivos relativamente ao mesmo trabalhador ou ao mesmo posto de trabalho, algo que à luz da lei não é permitido.

A intenção é explicada pelo Ministério das Finanças num estudo enviado ao Parlamento para enquadrar a proposta de lei onde o Governo decide o que é que vai fazer com 15 benefícios fiscais que iriam caducar entretanto, se nada fosse feito (acontece ao fim de cinco anos). Alguns são renovados transitoriamente à espera das conclusões do grupo de peritos, outros acabam e outros mantêm-se com alterações.

Um destes últimos casos, em que o Governo decidiu propor ao Parlamento que se mantenha, mas com alguns ajustes, é precisamente o desconto no IRC pela criação líquida de postos de trabalho. O apoio baixa para as grandes empresas, terá uma diferenciação positiva para as micro, pequenas e médias empresas (PME) e haverá ainda uma majoração para as sociedades instaladas no interior do país. Isto, ao mesmo tempo em que haverá um regime transitório para atribuir um incentivo maior às empresas que ao longo deste ano de 2018 convertam contratos a prazo em contratos permanentes.

Se a proposta for aprovada tal como está, uma empresa que contrate directamente para os seus quadros (com contratos sem termo) jovens à procura do primeiro emprego (até aos 30 anos), desempregados de longa duração (um ano ou mais) e muito longa duração (há 25 meses ou mais) pode abater ao lucro tributável em IRC, como custo, durante cinco anos, 120% do valor dos salários pagos a esses trabalhadores. No caso das PME – a larga maioria do tecido empresarial – este abatimento é de 150%. Se a empresa estiver numa região mais pobre (“em território economicamente desfavorecido”) ou contratar desempregados de longa e muito longa duração, há um incentivo mais alto (no caso de uma PME, o abatimento chega aos 200%).

Novo modelo

Quanto aos mecanismos de controlo da atribuição destes benefícios, o Governo admite estarem pouco alicerçados em sistemas de informação. Há problemas já identificados pela Inspecção-Geral de Finanças. E a tarefa passa agora por identificar as sobreposições, porque o incentivo não é cumulável com outros relativamente ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

Além de criar uma plataforma que cruze informação com a Segurança Social e o IEFP, o Governo reconhece que, dentro do fisco, é preciso melhorar a documentação com os registos dos benefícios, para saber se eles estão a ser usados de forma regular; e diz que é preciso pôr no terreno medidas que permitam às entidades inspectoras regularizar as situações identificadas. O passo seguinte – saber o que poderá acontecer ao serem detectadas as irregularidades – não é especificado pelo executivo.

Os dados mais recentes das Finanças são de 2015 e mostram que, naquele ano, os incentivos à criação de postos de trabalho significaram uma despesa fiscal de 36,7 milhões de euros (perda de receita de IRC e IRS) num universo de 3475 beneficiários. A grande fatia são empresas (havendo uma pequena parte que diz respeito a contribuintes singulares com contabilidade organizada).

O estudo não faz alusão às grandes empresas. É um tema quente que chegou a ser levantado no Parlamento, recentemente, pelo Bloco de Esquerda, com a deputada Mariana Mortágua a marcar posição, dizendo não ver razões para grandes empresas ou entidades receberem incentivos pela criação de postos de trabalho – citou como exemplos o Pingo Doce (da Jerónimo Martins), o Modelo Continente (da Sonae, grupo dono do PÚBLICO) e o Banco de Portugal.

No estudo enviado ao Parlamento, o Governo considera que os valores de execução mostram que a medida é “claramente” apelativa para as empresas. Mas ao mesmo tempo reconhece que há margem para tornar o regime “mais eficaz e justo”. Di-lo em relação aos mecanismos de controlo, mas, sabe o PÚBLICO, no executivo admite-se que, neste contexto em que estão a ser avaliados os vários incentivos, possa surgir uma discussão sobre o próprio modelo dos apoios fiscais ao emprego, não se fechando a porta a que incentivos do lado dos impostos sejam diferentes consoante o ciclo económico.

Nada está ainda fechado. Uma intenção que o Governo já sinalizou neste estudo é a ideia de alterar a forma como acabam e são renovados os benefícios fiscais, fazendo-o evoluir para um “modelo objectivo”. Ao fim de cinco anos, os incentivos caducam automaticamente se não forem renovados e isso tem levado a que de Orçamento para Orçamento haja uma renovação daqueles que estão prestes a terminar e – frisa o Governo – isso tem acontecido ao longo dos anos “sem qualquer exigência ou preocupação” de analisar as “circunstâncias” em que se decide manter um incentivo.

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