O "até já" de Costa

É a primeira vez que um partido, a meio de uma aliança, deixa em branco o seu futuro.

Casaram-se de papel passado no final de 2015, depois de um discreto namoro que veio desde a chegada de António Costa ao Largo do Rato. Na primeira carta de compromisso à família socialista, a moção ao congresso de 2015, Costa era mais ousado do que algum socialista alguma vez tinha sido: “Nenhum conceito que vise limitar o alcance da representação democrática, como o conceito de ‘arco da governação’, pode servir para excluir sistematicamente certos partidos das soluções de governo.”

Casaram, então. E foi uma lua-de-mel bonita, a daqueles primeiros meses. “O espírito construtivo, responsável e solidário de que têm dado mostras todos os partidos da esquerda parlamentar, só reforça as razões para confiar numa solução duradoura”, escreveu Costa na segunda carta de compromisso que assinou à sua família, a socialista. Estávamos em 2016, já o relacionamento levava uns nove meses que prometiam deixar frutos.

Curiosa, por isso, a leitura do que diz e do que não diz António Costa na moção que apresenta ao congresso do PS, o último antes das legislativas, já dois anos e meio depois de assumir o compromisso. O cuidado com que evita o pedido de uma maioria absoluta (“O PS apresentar-se-á ao eleitorado com o objetivo de alcançar uma maioria absoluta, uma condição essencial para a formação de um governo estável e com condições para levar a cabo uma política sólida e consistente”, dizia em 2014). As leves referências aos partidos que apoiam o actual Governo, feitas em tom de auto-elogio. Mas, sobretudo, o absoluto vazio sobre a estratégia de alianças pós-2019. Se lhe parece natural, registe isto: é a primeira vez que um partido, a meio de uma aliança, deixa em branco o seu futuro. 

Na moção que leva ao congresso, o que António Costa pede é uma carta branca para decidir livremente com quem casar depois. “Não há nenhuma razão para estarmos a especular sobre o que vão ser as próximas eleições, porque seguramente muita água correrá debaixo da ponte até lá”, avisou já numa curiosa entrevista à Visão, onde era preciso ler nas entrelinhas: “Por mim, não tornarei nenhuma iniciativa de alterar o que quer que seja.” 

Dar um tempo, portanto. O líder PS entra agora na campanha eleitoral de 2019, com um programa que identifica bem os desafios do futuro, sem se comprometer nem arriscar uma definição de um caminho. 

Até ao congresso, vamos ouvir falar muito do futuro, do debate entre a ala esquerda e os moderados. Mas este ainda é o PS de Costa: nem ao centro nem de esquerda. Antes pragmático.

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