Contrato de trabalho e escolha pelas partes da lei aplicável: até onde se pode ir?

Haverá limites ao que pode bem ser um meio de contornar regras que não agradem ao empregador?

A recente greve na Ryanair trouxe para o debate público várias questões relativas à sujeição dos contratos de trabalho desta com os seus tripulantes de cabina portugueses a uma lei que não a nossa. Será esta solução legal? Se sim, em que termos? E haverá limites ao que pode bem ser um meio de contornar regras que não agradem ao empregador?

A estas questões se procurará responder, a partir dos dados normativos relevantes e, naturalmente, à margem do conflito que opõe a Ryanair e os seus trabalhadores portugueses.

O Regulamento (CE) n.º 593/2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (“Regulamento Roma I”) prevê como solução-regra que o contrato siga a lei escolhida pelas partes, permitindo-lhes que, logo de início ou durante a sua execução, o submetam a uma lei diferente daquela que seria aplicável. Consagrada para a generalidade dos contratos (art. 3.º), esta opção é reafirmada para o contrato de trabalho (art. 8.º). Num e noutro caso, porém, a ampla margem de atuação que às partes se confere (podendo estas convocar a lei que bem entendam) é contrabalançada por limites que significativamente atenuam o alcance da respetiva escolha.

Tratando-se de contrato de trabalho, o limite imposto visa evitar que a opção de o sujeitar a outra lei redunde na sua subtração a regras imperativas destinadas a tutelar o trabalhador. Neste sentido, a parte final da própria norma que admite tal decisão ressalva que não pode esta “ter como consequência privar o trabalhador da proteção” que lhe garantem as “disposições não derrogáveis por acordo” da “lei que, na falta de escolha, seria aplicável". Importa considerar as duas vertentes deste limite: a lei que seria a aplicável e os seus preceitos obrigatórios para as partes. 

Qual seja a lei que, não havendo escolha, regularia o contrato de trabalho, é questão que o Regulamento resolve com vários critérios sucessivamente aplicáveis (lei do país onde, ou lei do país a partir do qual, o trabalho é habitualmente prestado e, ainda, lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador), os quais cedem, contudo, sempre que o “conjunto das circunstâncias” do caso torne evidente ter o contrato uma “conexão mais estreita” com outro país, por cuja lei este se pautará então, salvo opção diversa das partes.

Quanto às “disposições não derrogáveis por acordo”, cabem nesta categoria as normas legais que, por acautelarem relevantes interesses do trabalhador, são retiradas da disponibilidade das partes, às quais é vedado (ainda que nisso estejam de acordo) não as acatar e às quais se aplicam, pois, mesmo contra a sua vontade. Ilustrando com o nosso direito laboral, serão “não derrogáveis por acordo” as normas do Código do Trabalho cuja disciplina se impõe ao contrato de trabalho, impedindo-o de estabelecer uma solução diferente, sem mais, da que delas consta ou tão só uma solução menos favorável ao trabalhador: é o que sucede, entre outras, com as relativas ao valor do salário mínimo, à proteção na parentalidade, à duração máxima dos períodos de trabalho diário e semanal ou à duração mínima do período de férias. 

Em jeito de síntese, dir-se-á que o alcance prático do acordo entre empregador e trabalhador que submeta o contrato de trabalho a uma lei diferente da que, doutro modo, se lhe aplicaria depende do espaço, maior ou menor, deixado por esta última à vontade das partes na modelação do conteúdo do contrato de trabalho, já que fora deste prevalece o que a mesma consagre para proteção do trabalhador.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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