A transição de poder na Reserva Federal

Os sinais que Jerome Powell deu até ao presente permitem prever que imprimirá mudanças significativas na política monetária dos EUA, tornando-a mais restritiva. Por conseguinte, apertem por favor os cintos de segurança.

A política monetária, não obstante a tese de neoclássicos e monetaristas de que só teria efeitos no nível de preços e não na actividade económica (a tese da neutralidade da moeda), ganhou importância nas últimas décadas tornando-se, na prática, a principal política económica de resposta às sucessivas crises que ocorreram desde o final dos anos 90: “dotcom” em 1999-2001, imobiliário e sistema financeiro em 2007-2009 e crise do euro de 2010-2012. Assim, os responsáveis máximos dos bancos centrais dos EUA, Zona Euro, Inglaterra e Japão passaram a ser dos mais importantes decisores de política económica das principais potências económicas porque, não obstante as decisões de política monetária serem formalmente adoptadas por um órgão colegial, é nítido e reconhecível o papel desses responsáveis na implementação de novas políticas monetárias. Com efeito, em particular a transição da presidência do Conselho de Governadores da Reserva Federal dos EUA e a transição da presidência do Conselho do Banco Central Europeu (BCE) têm sido acompanhadas por alterações significativas na política monetária que, com frequência, ocorrem pouco tempo após o início dos mandatos. 

Por exemplo, Alan Greenspan foi Presidente da Reserva Federal durante 19 anos e meio, entre 11 de Agosto de 1987 e 31 de Janeiro de 2006. Pouco depois de entrar em funções, ocorre a segunda-feira negra (19 de Outubro de 1987), em que o índice bolsista DJIA cai 22,6%, tendo a Reserva Federal respondido com injecções de liquidez. Ou seja, Greenspan imprime a sua marca na política monetária da Reserva Federal, que se torna mais interventiva, logo no início do seu mandato.

Também Mario Draghi, Presidente do BCE, tem a sua acção mais importante pouco após o início do seu mandato a 1 de Novembro de 2011. A 26 de Julho de 2012 profere as famosas palavras numa conferência privada com banqueiros em Londres, que indicam que o BCE fará tudo o que for necessário para salvar o euro (“… whatever it takes to preserve the euro. And believe me, it will be enough”).

Por conseguinte, o principal argumento deste artigo é que os processos de transição na presidência da Reserva Federal, BCE ou outros dos principais bancos centrais, parecem ser processos que potencialmente podem resultar em instabilidade, “choques exógenos” na terminologia económica. Isto porque esses decisores podem e têm no passado imprimido outro rumo à política monetária, com efeitos muito significativos, favoráveis ou desfavoráveis, nos mercados financeiros e na actividade económica. É quase como se se assistisse a um “Governo de homens”, porque esses homens e mulheres na presidência dos principais bancos centrais têm uma importância desproporcional nas políticas monetárias e económicas que são implementadas.

Por isso, merece atenção o processo de transição em curso na presidência da Reserva Federal dos EUA.

Jerome Powell assumiu o poder à frente da Reserva Federal, i.e., de Presidente do Conselho de Governadores do Sistema da Reserva Federal, a 5 de Fevereiro do corrente ano, substituindo Janet Yellen. É advogado de formação, com diversas experiências, nomeadamente no Departamento do Tesouro do Governo Federal dos EUA, como sub-secretário de Estado, entre 1992 e 1993, mas sobretudo com actividade profissional no sector financeiro.

Ao contrário dos seus antecessores, Ben Bernanke e Janet Yellen que eram académicos, o seu perfil é mais próximo do de Alan Greenspan que possuía experiência no sector privado, com períodos na Administração Pública, em postos de confiança política.

Em 2011, o Presidente Obama nomeou Jerome Powell para o Conselho de Governadores da Reserva Federal, uma solução de compromisso com os Republicanos para que Obama pudesse, igualmente, nomear Jeremy Stein, que era mais próximo dos Democratas.

Janet Yellen, a antecessora de Powell na presidência da Reserva Federal, optou por uma postura mais discreta, embora as alterações que introduziu na política monetária sejam muito significativas. No seu mandato, a Reserva Federal começou a aumentar (normalizar) a taxa de juro de referência, subindo-a de 0% para 1,5%. E, a partir do último trimestre de 2017, pouco antes do fim do seu mandato, a Reserva Federal começou a reduzir a dimensão do respectivo balanço, iniciando o processo de reversão dos efeitos dos programas de expansão quantitativa que decorreu de Dezembro de 2008 a Outubro de 2014 (iniciado durante o mandato de Ben Bernanke e concluído já durante o mandato de Janet Yellen). Durante esses programas de expansão quantitativa, as compras de dívida pública pela Reserva Federal chegaram a atingir um pico de 75 mil milhões de dólares por mês em 2010 e 2011, tendo o seu balanço praticamente quintuplicado, de 900 mil milhões de dólares em Setembro de 2008 para 4,5 biliões de dólares em Setembro de 2017.

Contudo, no presente, a Reserva Federal está a retirar liquidez (moeda), o que tenderá a contribuir para o aumento das taxas de juro, tornando o enquadramento económico mais restritivo.

Entre Outubro e Dezembro de 2017, o ritmo de redução do balanço da Reserva Federal foi de 10 mil milhões de dólares/mês, passando a 20 mil milhões de dólares/mês no primeiro trimestre de 2018, a 30 mil milhões de dólares/mês no segundo trimestre de 2018 prevendo-se que atinja os 50 mil milhões de dólares/mês, no quarto trimestre de 2018. Este é um ritmo de redução do balanço da Reserva Federal muito elevado e é peculiar que Jerome Powell o enfrente logo no início do seu mandato. Será um presente envenenado de Janet Yellen ou traduzirá já a vontade do novo presidente em deixar a sua marca (e o seu choque “exógeno” pessoal) na política monetária dos EUA?

Como se julga que o programa de expansão quantitativa da Reserva Federal terá estimulado os mercados financeiros e sobretudo o mercado bolsista, o receio é que a sua reversão venha a causar um crash bolsista. Ou seja, Janet Yellen deixa para o seu sucessor a fase mais arriscada do processo de reversão da política monetária de expansão quantitativa. Mas note-se que, na qualidade de membro Conselho de Governadores da Reserva Federal, Jerome Powell votou favoravelmente o plano de normalização da política monetária de Janet Yellen.

Jerome Powell, no seu primeiro testemunho perante o Congresso, deu a entender que considerava que os mercados de acções estariam sobrevalorizados.

Em conclusão: os sinais que Powell deu até ao presente permitem prever que imprimirá mudanças significativas na política monetária dos EUA, tornando-a mais restritiva. Por conseguinte, apertem por favor os cintos de segurança. Espera-se (alguma? ou forte?) turbulência no voo dos mercados financeiros durante 2018! Turbulência essa que poderá continuar em 2019 com a saída de Mario Draghi da presidência do BCE, no final de Outubro de 2019.

Sugerir correcção
Comentar