Microfósseis com mais de 3500 milhões de anos são das mais antigas provas de vida na Terra

Analisados fósseis minúsculos, invisíveis a olho nu e mais finos que um cabelo humano, que estavam “presos” em rochas encontradas na Austrália. Assim foram descobertos sinais de vida que existiu há mais de 3500 milhões de anos.

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Um dos maiores microfósseis descobertos na formação rochosa de Apex na Austrália tem cerca de 50 micrómetros de comprimento James William Schopf/UCLA

As novas tecnologias conseguem levar os cientistas até aos mais mínimos detalhes dos mais minúsculos sinais de vida em épocas cada vez mais distantes. Desta vez, uma equipa de investigadores dos EUA analisou fósseis microscópicos presos em pedaços de rocha encontradas na Austrália e que revelam que a vida na Terra terá começado há mais de 3500 milhões de anos. Ou seja, diz a equipa que publica esta segunda-feira um artigo na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), foi encontrada uma das mais antigas provas de vida na Terra.

O estudo apresenta os resultados das análises a 11 espécimes microbianos, estabelecendo ligações da sua morfologia com “assinaturas químicas” que são características da vida, refere o comunicado da Universidade de Wisconsin-Madison sobre este projecto, que contou com a participação de investigadores desta instituição mas foi liderado por James William Schopf, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Segundo explicam, alguns dos microfósseis analisados serão bactérias já extintas e micróbios, também já desaparecidos, de um domínio dos seres vivos chamado arquea (com semelhanças às bactérias), mas outros apresentam parecenças com espécies de micróbios que ainda existem.

James William Schopf é um paleobiólogo norte-americano que em 1993 publicou um artigo na revista Science que descrevia os microfósseis, identificando as suas formas únicas (e minúsculas) que se pareciam com filamentos cilíndricos, encontrados presos em rochas na formação de Apex, na Austrália. No fundo, estávamos perante algo que não era visível ao olho humano. Neste artigo publicado agora, estamos precisamente a falar de microfósseis com cerca de dez micrómetros [um micrómetro equivale à milésima parte do milímetro] de comprimento, ou seja, era possível "encaixar" oito destes microfósseis na espessura de só um fio de cabelo humano (que tem entre 50 e 80 micrómetros).

Durante algum tempo, as descobertas do cientista foram discutidas e levantaram dúvidas, com alguns especialistas a sugerir que não existia ali nenhuma prova de vida e estávamos apenas perante formações minerais. Agora, diz John Valley, professor de geociências na Universidade de Wisconsin-Madison e que é outro dos autores do estudo, já não há motivo para qualquer dúvida. Os microfósseis analisados são biológicos, garante.

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Equipa de investigadores junto ao local onde foram encontradas as rochas que guardavam os microfósseis, na formação de Apex, na Austrália John Valley e UWMadison

As dúvidas terão sido dissipadas coma ajuda das novas tecnologias (baseada na espectrometria de massa) que permitiram separar cada um dos elementos químicos presentes nestes vestígios, encontrando correlações que consideram estar indiscutivelmente associadas a característica biológicas e funções metabólicas. De acordo com James William Schopf, os resultados mostram ainda que se trata de “um grupo de organismos primitivo mas diverso”.

A equipa identificou um grupo complexo de micróbios: bactérias fototrópicas que se apoiam a luz do Sol para produzir energia, organismos semelhantes às bactérias que produziam metano e uma outra classe específica de bactérias que consumia metano, um gás que seria um componente importante da atmosfera da Terra antes do oxigénio estar presente.

Os investigadores demoraram quase dez anos para desenvolver os procedimentos necessários para uma análise rigorosa dos microfósseis, nota o comunicado, que adianta que os cientistas John Valley e James William Schopf fazem parte do Consórcio de Investigação de Astrobiologia de Wisconsin, financiado pelo Instituto de Astrobiologia da NASA, “que existe para estudar e compreender as origens, o futuro e a natureza da vida na Terra e em todo o Universo”.

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Uma amostra de um pedaço de rocha onde os microfósseis foram encontrados John Valley, UW-Madison

Estudos como este, diz James William Schopf, “indicam que a vida pode ser comum em todo o Universo” mas, mais importante ainda, esclarecem as origens da vida no nosso planeta indicando que vários tipos de micróbios diferentes já presentes há 3500 milhões de anos. Esta investigação, nota o cientista, mostra que “a vida teve ter começado substancialmente mais cedo – ninguém sabe o quão mais cedo – e confirma que não é difícil que a vida primitiva se forme e evolua para microorganismos mais avançados”.

É fácil perdermo-nos com as sucessivas descobertas que nos apontam para um passado com milhares de milhões de anos. Em Março desde ano, por exemplo, uma equipa de cientistas publicou um artigo na revista Nature que referia a descoberta, no Canadá, de fósseis de microorganismos cuja idade estimada se situava entre os 3770 e os 4300 milhões de anos. Parecidos com as bactérias, estes vestígios – anunciou-se na altura – podiam “representar as provas mais antigas da vida na Terra”. Antes disso, no ano passado, uma outra equipa de investigadores tinha apresentado um estudo em que descrevia tapetes microbianos fossilizados (chamados “estromatólitos”) com cerca de 3700 milhões de anos, descobertos na Gronelândia.

Mas esta corrida contra o tempo em sentido contrário não é recente. Sabemos que a Terra se formou há cerca de 4500 milhões de anos e os oceanos surgiram aproximadamente há 4400 milhões de anos. A partir daí, podem existir os tais sinais de vida e ainda não parámos de os procurar. As datas do início da vida na Terra vão sendo empurradas cada vez mais lá para trás no tempo.

O comunicado sobre o estudo lembra que um dos maiores saltos que aumentou milhões de anos neste calendário foi em 1953, quando o geólogo Stanley Tyler, da Universidade de Wisconsin-Madison, descobriu microfósseis em rochas que alteraram radicalmente esta cronologia do início da vida na Terra, passando dos 550 milhões de anos para 1800 milhões de anos. “Estamos mesmo interessados em perceber quando é que a vida surgiu na Terra”, confirma o investigador John Valley, que conclui: “Não temos nenhuma prova que confirme que a vida existia há 4300 milhões de anos, mas também não existe nenhuma razão para que isso não seja possível.” 

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