“É determinante ter alguém que acolha o jovem no exterior”

A investigadora Fátima Coelho diz que nem sempre existem soluções de ensino, formação profissional ou trabalho para ocupar o tempo do jovem assim que este fica em liberdade. "Esses tempos é que são perigosos."

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Fátima Coelho é chefe de Divisão de Planeamento e Organização da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais Daniel Rocha

Autora de vários trabalhos de investigação sobre delinquência juvenil, a chefe de Divisão de Planeamento e Organização da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Fátima Coelho, coordenou nos primeiros anos, e até há pouco tempo, o primeiro grande estudo em Portugal sobre reincidências em jovens que tiveram um ou mais contactos com o sistema de Justiça. Depois de entrevistas a 30 jovens que passaram por centro educativo, onde cumpriram uma medida de internamento decretada por um juiz, a investigadora reforçou a convicção de que é fundamental para o jovem ter, depois disso, quem o acolha na comunidade e o ajude a pensar num projecto de vida.

O que falhou nos 15 jovens que reincidiram e o que resultou nos 15 que desistiram do crime?
Para se manterem distantes do crime, parece ser muito importante para os jovens terem o reconhecimento pelos outros dessa sua vontade e dessa sua capacidade, para descolarem dessa etiqueta negativa de delinquentes. Serão pessoas externas ao centro educativo, e que se constituem figuras de referência — familiares próximos ou mais distantes —, que, reconhecendo a capacidade de mudança, os reforçam numa trajectória diferente. É determinante ter alguém que acolha o jovem no exterior, que mostre e reconheça as capacidades que ele tem de não voltar a cometer delitos.

Se não tiver ninguém que o acolha, é acompanhado pelo sistema?
A Lei Tutelar Educativa prevê que a legitimidade de intervenção dos serviços sobre os jovens começa quando a medida começa e termina quando a medida acaba. O que por um lado pode parecer perverso, mas também tem a ver com um aspecto que é o direito que as pessoas têm de viver sem a intervenção do sistema de justiça. O lado que pode parecer negativo é o facto de os jovens saírem de um contexto onde têm um acompanhamento intenso e depois ficarem sem acompanhamento nenhum no regresso ao seu meio natural de vida. Não há uma gradação.

Não pode haver acompanhamento junto da família?
Só se já tiverem um processo de promoção e protecção, e nesse caso a Segurança Social estará envolvida. O que existe aqui, e se reconhece, é que às vezes há um terreno a descoberto entre o momento em que os jovens são acompanhados com medida de acompanhamento educativo [também decretada pelo tribunal] ou com medida de internamento em centro educativo, e depois há o corte que os deixa sem qualquer seguimento. Quando saem, há trabalho importante a fazer.

Esse acompanhamento é necessário?
É e a lei também prevê isso, com a supervisão intensiva [que se assemelha a um período de liberdade condicional] ou quando possibilita que o internamento seja convertido em acompanhamento educativo. Também aqui está subjacente a ideia de uma progressão na intervenção do sistema de justiça sobre os jovens.

Também há os casos em que vão directamente para a comunidade.
É o que predominantemente acontece. E no momento do tal corte, a que chamamos corte mas que é o termo de uma medida, os jovens podem estar preparados para voltar ao seu meio natural de vida ou não.

Os técnicos do centro educativo envolvem-se nessa preparação?
Os técnicos com apoio da família, que é o desejável. Mas, às vezes, essas soluções não existem. Por exemplo, cursos de formação profissional que permitam ao jovem sair do centro educativo e começar o curso sobretudo naquela data específica. Existem encaminhamentos [pedidos da DGRSP] mas as respostas não estão lá, e são esses períodos de tempo, sem uma ocupação estruturada do tempo do jovem, que são perigosos também.

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