Armando Pereira ganha poder com chicotada psicológica na gestão da Altice

Demissão de Michel Combes dá novo protagonismo ao sócio português de Drahi, que passa a gerir a área de telecomunicações do grupo. Para já, a prioridade será França, onde os desafios já estão a condicionar o valor da Altice em bolsa.

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Cláudia Goya, Armando Pereira e Michel Combes, numa conferência de imprensa em Lisboa, em Outubro Nuno Ferreira Santos

A saída de Michel Combes da liderança da Altice, anunciada na quinta-feira à noite, abriu espaço à ascensão de Armando Pereira, o sócio do franco-israelita Patrick Drahi no grupo que detém a PT. No comunicado com que ontem a empresa sediada na Holanda anunciou a demissão de Michel Combes, e um retorno ao “modelo de organização que criou o sucesso do grupo Altice”, ficou claro que se o gestor francês não faz parte da estratégia vencedora, já o português é uma peça-chave.

Confirmam-se, assim, os rumores que circulavam em França desde o final do Verão, de que a permanência de Combes nos comandos da empresa tinha os dias contados, mas não deixa de ser uma saída repentina, tendo em conta que ainda na terça-feira o gestor esteve na Web Summit a dar a cara pela Altice, a elogiar a aposta do grupo na tecnologia e na inovação e a garantir a independência editorial da TVI, caso a Autoridade da Concorrência autorize a compra da Media Capital.

A saída de Combes, que em Setembro fonte oficial da Altice descreveu ao PÚBLICO como sendo “pura fantasia”, materializa-se num momento em que as acções continuam sob grande pressão. Na sexta-feira, os títulos fecharam nos 10,3 euros, menos 38% do que os 16,6 euros que valiam na quinta-feira, 2 de Novembro, antes de a Altice ter apresentado resultados trimestrais que ficaram abaixo das estimativas dos analistas, e de confirmar que os resultados deste ano ficarão no “limite mínimo” das previsões de crescimento.

A evolução deve-se principalmente à operação francesa, onde o número de assinantes continua em queda, assim como as receitas. Uma situação que poderá ter precipitado a saída de Michel Combes.

No novo figurino da Altice (que tem 50 mil trabalhadores, 50 milhões de clientes e está assente em 50 mil milhões de euros de dívida), Patrick Drahi volta a assumir as rédeas de toda a estratégia (operacional, comercial e tecnológica), perfilando-se como presidente da administração. O lugar de Combes na liderança executiva é ocupado por Dexter Goei, que mantém ainda sob sua alçada os negócios nos Estados Unidos, e Armando Pereira, que alcança pela primeira vez, formalmente, um papel de primeira linha na organização do grupo, passa a ser o chief operations officer (COO), algo como o director de operações da área de telecomunicações.

A chefia da área de media mantém-se nas mãos de Alain Weill que “continuará a implementar a estratégia de convergência entre telecomunicações e media em França, em conjunto com o Armando e a sua equipa”. Um trabalho que deverá depois ser replicado em Portugal, se a Altice for bem-sucedida na aquisição da Media Capital (que além da TVI tem activos como a produtora de conteúdos plural, a Rádio Comercial e o portal IOL).

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A mudança garantirá uma liderança “directa e clara”, que permitirá às operações europeias “cumprirem o seu potencial e continuarem a dar suporte à Altice USA”, acrescenta o comunicado. No caso de Armando Pereira (de que se disse ter 25% do capital da Altice, embora a percentagem exacta nunca tenha sido confirmada), a Altice revela que o português terá como “foco principal a França” (que ainda representa a maior fonte de receitas da Altice), mas chamará a si as “principais funções” nas operações de telecomunicações, de uma forma transversal no grupo. Ou seja, Armando Pereira estará bem presente na PT (que neste momento tem como presidente executiva Cláudia Goya), a acompanhar de perto uma empresa que já conhece por dentro e por fora.

Além de já ter sido presidente do conselho de administração da operadora (antes de ter sido substituído, em Fevereiro, neste cargo por Paulo Neves, que por sua vez foi substituído por Cláudia Goya, em Julho), quando a Oi vendeu a PT à Altice, em 2015, foi à equipa de Armando Pereira que coube fazer a radiografia completa da empresa. Isto, para perceber onde era possível reduzir custos, abrindo-se um período de intensas e duras negociações com fornecedores e de substituição da maioria das funções em outsourcing por trabalhadores da casa. Há até uma investigação de Bruxelas aberta por suspeitas de que a Altice começou a interferir na gestão da PT antes de obter o OK formal para a operação.

A par disso, também têm ligações a Armando Pereira algumas das sociedades que passaram a trabalhar para a PT desde esse Verão de 2015 (como a Tnord e a Sudtel), e às quais tem sido adjudicada a expansão da rede de fibra óptica que, segundo a empresa, já chega a quatro milhões de casas (embora o número efectivo de clientes com serviços em fibra esteja na ordem dos 600 mil), e que consumiu boa parte dos mil milhões de euros que a Altice diz já ter investido em Portugal.

Quanto a Goya, se antes respondia a Michel Combes, agora vai prestar contas a Dennis Okhuijsen, o administrador financeiro da Altice, que tem o pelouro do financiamento e das relações com os investidores, mas que também passa a ser o presidente da Altice Europe.

O PÚBLICO questionou a PT sobre o tipo de funções que Armando Pereira passará a desempenhar na empresa, no âmbito da reorganização da Altice e, também, se Cláudia Goya, a presidente executiva, reportará a Pereira, além de Dennis Okhuijse. Fonte oficial da empresa respondeu que “Armando Pereira lidera todas as operações de telecom a nível mundial e está trabalhar com todos os presidentes executivos” desta área, estando “a focar-se em primeiro lugar em França”. Sobre a presidente da PT, a mesma fonte disse que “Cláudia Goya reporta, formalmente, a Dennis Okhuijsen”.

Desde o final do Verão que circulavam rumores em França quanto ao mal estar de Michel Combes (que chegou à Altice em Agosto de 2015, vindo da Alcatel Lucent) com a entrada de Armando Pereira na francesa SFR, apenas duas semanas depois de ser anunciada a saída de Michel Paulin, que então encabeçava o negócio de telecomunicações. Uma saída que a Altice atribuiu a uma decisão deste gestor, motivada por “razões pessoais”.

Pereira entrou em cena de forma discreta. Segundo o Le Figaro, a notícia chegou aos trabalhadores da SFR na última semana de Setembro através de um email de Michel Combes, mas nunca chegou a ser comunicada fora de portas. Nessa ocasião, fonte oficial da Altice garantiu ao PÚBLICO que a presença de Armando Pereira “era apenas uma solução temporária” para substituir Paulin e rejeitou a existência de quaisquer divergências. Nada mais do que “disparates”, disse o porta-voz da Altice, falando em “total alinhamento no seio da gestão”.

Mês e meio depois, Combes saiu, Armando Pereira passou de “solução temporária” à primeira linha e agora voltará, certamente, a estar mais activo no mercado português. Foi Armando Pereira quem afirmou logo nas primeiras reuniões com os sindicatos da PT, em 2015, que a empresa tinha cerca de quatro mil trabalhadores a mais. Num momento em que a gestão da PT já assumiu que o esforço de redução de pessoal é para manter – embora novas operações de transferência de trabalhadores tenham sido suspensas para "reanálise" – esta será certamente uma das áreas para as quais o novo director de operações vai olhar.

Em Outubro, numa conferência de imprensa realizada à margem do encontro de quadros da Altice, em Lisboa, Armando Pereira também fez questão de recordar que a Altice já criou quase quatro mil empregos em Portugal. Cerca de 1600 em call centers (foi precisamente na inauguração do primeiro, em Maio de 2015, que o ex-ministro da Economia António Pires de Lima lhe chamou “herói de Vieira do Minho) e outros dois mil, directos e indirectos, na expansão da fibra, através da Sudtel e da Tnord.

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