Factos e interrogações em torno do projecto português da Altice

Os gestores da Altice dizem-se "orgulhosos" do caminho percorrido e enaltecem um "projecto industrial", que segue o seu caminho, para já, imune às críticas que vêm da concorrência, dos trabalhadores e dos responsáveis políticos.

Foto
Alain Weill é o homem dos media na Altice e Michel Combes o líder da equipa executiva a que a PT Portugal responde Daniel Rocha

Fundo ou projecto industrial?

Não falta quem coloque a Altice na categoria de “fundo abutre”. A líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, não duvidou em chamar-lhe “fraude”. O facto de o grupo sustentar o seu crescimento em dívida (ronda os 50 mil milhões de euros), e de endividar as empresas que compra para pagarem a sua própria aquisição, faz com que seja frequentemente olhado com desconfiança pelos analistas. Também não ajuda que a estrutura da Altice seja complexa e alicerçada numa série de sociedades (com sedes na Holanda e no Luxemburgo, por exemplo) com relações entre si algo opacas. Desde o primeiro momento em que surgiu em Portugal, no decurso das negociações com a Oi e a ex-PT SGPS para comprar a PT Portugal/Meo, a Altice afadigou-se em transmitir a mensagem de que é um “investidor de longo prazo” e não um fundo especulativo, interessado apenas em espremer o máximo proveito da antiga incumbente, para a depois a vender com lucro. Com a compra da Media Capital, as garantias repetem-se: “Trata-se de um forte projecto industrial” e “qualquer país estaria satisfeito” com ele, disse na sexta-feira o presidente executivo, Michel Combes.

Quanto custa a nova aventura pelo mundo dos contéudos?

A Altice vai comprar a Media Capital por 440 milhões de euros (quase tanto quanto os 457,5 milhões acordados entre a Meo e o FC Porto pelos direitos de transmissão dos jogos em casa e da exploração da publicidade no Estádio do Dragão por dez anos e ainda pela transmissão do Porto Canal). Este valor inclui a dívida da dona da TVI, que ronda os 100 milhões. Além de comprar os 95% da Media Capital detidos pela espanhola Prisa, para garantir o controlo por inteiro do grupo de Queluz, a Altice tem que comprar os 5% detidos pelo galego NCG Banco. O preço proposto nesta Oferta Pública de Aquisição (OPA) é de 2,55 euros por acção. Em 2016, a Media Capital lucrou 19 milhões de euros, após proveitos de 174 milhões e um lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA) de 41,5 milhões.

Que activos passam para o mundo Altice?

Com a Media Capital e a Meo com estratégias alinhadas, as promessas da Altice passam por investir na expansão digital, desenvolver novos canais televisivos e lançar serviços inovadores. A dona da PT Portugal vai comprar a TVI, que é o canal aberto líder de audiências e tem vários canais por cabo (como a TVI24 e a TVI Internacional). Além disso, compra a Plural Entertainment, descrita pela Media Capital como “uma das maiores produtoras audiovisuais da Península Ibérica, destacando-se na área de ficção em língua portuguesa e na área do entretenimento em espanhol”. Sob a gestão da Altice, a produtora passará a ser “o núcleo de produção de conteúdos global” e permitirá exportar conteúdos para mercados do grupo com grandes comunidades portuguesas, como França e Estados Unidos. Nas plataformas digitais, a Media Capital tem o portal IOL, onde estão, por exemplo, o TVI Player e o Maisfutebol. Na rádio, a Meo também vai conquistar a líder de audiências Rádio Comercial, assim como a M80, a Cidade, a SmoothFM e, ironicamente, a Vodafone FM.

Quais são os outros activos de media da Altice?

A lista de activos debaixo do chapéu Altice Media (sob responsabilidade de Alain Weill) é extensa e, segundo informação do grupo, abrange já 1500 jornalistas e nove canais de televisão. Na imprensa, começou em França com a aquisição do jornal francês Libération e dos vários títulos do grupo suíço Express-Roularta, entre eles o semanário L’Express. Em França, além dos canais SFR Sport, onde transmite os vários conteúdos exclusivos que foi comprando (como o futebol, incluindo o campeonato português, o basquetebol francês, o râguebi inglês, o atletismo, o boxe, o ski e o ténis), a Altice tem os canais informativos BFM TV e BFM Paris. Em Israel, onde também produz conteúdos, tem o canal informativo i24 News. Na rádio, contam-se as emissoras francesas BFM Business e RMC, especializada em informação e desporto.

Exclusividade versus concorrência

A sede da Altice pela exclusividade dos conteúdos é um dos temas que preocupa as suas concorrentes em Portugal. A Nos diz que foi a aproximação da Meo ao Benfica com o intuito de garantir direitos exclusivos que a obrigou a reagir e a desembolsar cerca de 400 milhões para assegurar os jogos em casa da equipa encarnada (e depois, a chegar a um acordo de 500 milhões com o Sporting). No final, a PT, que apenas garantiu os direitos televisivos do FC Porto, acabou encostada à parede e obrigada a embarcar com a Nos e a Vodafone na Sport TV, partilhando custos e conteúdos. Mas, apesar de a estratégia ter fracassado em Portugal, para a Altice, desportivo e exclusivo são efectivamente conceitos que rimam. Há dois meses, a operadora SFR anunciou ter assegurado os direitos exclusivos da Liga dos Campeões em França, entre 2018 e 2021. Segundo os media franceses, que classificaram o negócio como uma “revolução no mundo do futebol”, o investimento foi de 350 milhões. Por isso, apesar de ter prometido que no caso da Media Capital vai garantir o acesso dos concorrentes aos conteúdos, este promete ser um dos temas quentes nos próximos tempos.

Sugerir correcção
Comentar