Puigdemont tem poucas horas para decidir futuro imediato da Catalunha

É o homem no centro do furacão. Para o pressionar, as organizações que promovem o independentismo marcaram uma manifestação para o momento em que o parlamento de Barcelona votará resposta a Madrid.

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"República Agora", pede-se numa manifestação convocada pelos Comités de Defesa do Referendo de 1 de Outubro Rafael Marchante/Reuters

Quem o conhece garante que a sua principal arma nestes tempos conturbados é a serenidade com que reage naturalmente ao imprevisto. Mas dificilmente haverá ser humano capaz de se manter tranquilo sob toda a pressão que enfrenta por estes dias o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont.

Conte com os apoios que contar, é a ele que cabe decidir se proclama a independência da Catalunha, como prometeu a coligação no poder quando foi a votos, em Setembro de 2015 (ainda ele não sonhava substituir Artur Mas no governo regional), ou se, pelo contrário, convoca eleições antecipadas – seria a derradeira tentativa (sem garantias) para evitar a ingerência de Madrid na Catalunha, suspendendo, na prática, a autonomia.

O guião é o mesmo há algum tempo, mas todos os dias se alteram pequenos mas significativos pormenores. Por exemplo, Puigdemont ia ao Senado responder à proposta de intervenção do Estado (aplicação do artigo 155 da Constituição) mas já não vai. A Generalitat tentou que a comissão que debate a proposta do Governo de Mariano Rajoy recebesse o líder catalão na quarta-feira ou na quinta de manhã – antes de votar a sua resposta, que deveria entrar na câmara alta do Parlamento espanhol até às 10h desse dia. O Senado ofereceu-se para o receber na tarde de quinta ou sexta de manhã, quando estará a votar a proposta final. Ninguém facilita.

Outra alteração: PP, de Rajoy, e PSOE, de Pedro Sánchez, pareciam de acordo para suspender a intervenção na Catalunha se Puigdemont convocasse eleições autonómicas. Agora, já não é bem assim. Não basta ao líder catalão chamar os eleitores a votos, “terá de renunciar pública e expressamente à independência de forma definitiva”, lê-se num documento do PP ao qual o jornal catalão El Periódico diz ter tido acesso.

Depois de uma reunião de mais de cinco horas do executivo catalão, na terça-feira à noite, sem que se chegasse a uma solução de compromisso, Puigdemont passou o dia em reuniões e marcou para o final da tarde mais uma “reunião informal” do executivo, à qual pediu que se juntassem dirigentes da ANC (Assembleia Nacional Catalã) e da Òmnium, as duas maiores organizações independentistas, o ex-líder Artur Mas e os chefes dos grupos parlamentares dos deputados da coligação Juntos Pelo Sim.

Pela mesma altura em que esta convocatória era conhecia, o seu vice-presidente e líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras, afirmava à Associated Press que o Governo de Madrid não deixou aos dirigentes catalães outra opção que não seja proclamar “uma nova república”.

“Se a república tiver sido proclamada ninguém vai preso porque a Catalunha já não fará parte de Espanha”, dizia ao PÚBLICO há dias um dirigente da ANC, a organização que pôs o independentismo nas ruas até lhe dar uma dimensão tal que os políticos tiveram de prestar atenção.

Não é bem assim e Puigdemont sabe disso. Entre as várias verdades que tem repetido há uma frase que não pode saber se é correcta. “A maioria da sociedade catalã quer o independentismo”. Ninguém sabe se isso é assim e já houve sondagens para todos os gostos desde que, num inquérito de 2012, pela primeira vez mais catalães disseram “sim” à independência do que os que responderam querer permanecer em Espanha.

Que a esmagadora maioria deseja um referendo vinculativo e negociado com Madrid não restam dúvidas – são já cinco anos de sondagens em que esse dado se mantém. Claro que seria também esta a melhor maneira de apurar a veracidade da frase de Puigdemont. Um grupo de cem intelectuais andaluzes acaba de pedir isso a Madrid. Mas a realidade é a realidade e é com ela que Puigdemont se enfrenta nas próximas horas.

Não perder tempo

Juntos pelo Sim debateram e querem que ele declare a independência. “Não perdemos tempo com quem já decidiu arrasar o autogoverno da Catalunha. Seguimos! #CatalanRepublic”, escreveu o próprio no Twitter. Nada que obrigue Puigdemont a declarar a independência, proclamação que contaria com uma legitimidade fraca, tendo em conta a votação (48%) do bloco soberanista nas últimas eleições e a participação (43% com 90% de votos “sim”) no referendo inconstitucional de 1 de Outubro.

Desistir de uma proclamação fracturaria de forma irremediável o campo político do independentismo e destruiria o seu futuro político. Avançar nesse sentido levá-lo-ia à cadeia e abriria uma caixa de Pandora ao mesmo tempo que Madrid abre a sua, usando um artigo da Constituição que lhe permite “dar instruções” aos dirigentes catalães para destituir toda a Generalitat e esvaziar de funções o parlamento autonómico – os partidos da coligação do governo da Catalunha já anunciaram um recurso ao Tribunal Constitucional para que suspenda “de forma cautelar” a aplicação.

Dificilmente isso fará parar o relógio. Vai Puigdemont tentar o que já é quase impossível (travar o 155) e salvar o que resta da coesão catalã ou, pelo contrário, usar a “bomba atómica” que tem ao seu dispor ao mesmo tempo que Rajoy dispara a sua?

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