Governo notifica SIRESP nesta semana de que a vai multar

Ministério da Administração Interna vai exigir no fim do ano compensação pelas falhas ocorridas nos fogos. Governo tem argumentos legais e técnicos contra gestora da rede de emergência.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

O Ministério da Administração Interna (MAI) vai notificar esta semana a SIRESP SA, a empresa que gere a rede de emergência nacional, um ofício a informar que o Estado tem intenção de exigir à empresa o pagamento de multas (as chamadas penalidades) pelas falhas nas comunicações registadas durante o incêndio de Pedrógão Grande e noutros fogos nos últimos meses. Apesar do aviso, o processo em si, de âmbito administrativo, arranca apenas no final do ano, quando são feitos os pagamentos anuais do Estado à empresa.

Para já, confirmou o MAI ao PÚBLICO, a Secretaria-Geral da Administração Interna (SGAI) avança apenas o processo de “accionamento das penalidades” no âmbito do contrato pelas falhas que aconteceram nos diversos incêndios, mas sobretudo no de Pedrógão Grande, com o argumento de que se trata de incumprimentos das normas estabelecidas no contrato. Em causa está um processo administrativo, diz o MAI, que não passa pela justiça, mas por um accionamento automático que está estabelecido no contrato: quando chegar ao final do ano, com todas as provas de falhas nas comunicações na mão, a SGMAI exige à SIRESP SA o pagamento de penalidades, que na verdade acabam por consistir num desconto do valor anual pago pelo Estado à empresa, explica ao PÚBLICO fonte oficial do MAI.

A informação que a SGMAI vai dar esta semana à SIRESP tem como base um parecer do escritório de advogados Linklaters, que diz que, de acordo com o contrato, o valor das multas por cada infracção pode ir dos cinco mil aos 200 mil euros, a que pode acrescer um pedido de indemnização por danos excedentes. O PÚBLICO questionou o Governo sobre o valor que está em cima da mesa, mas o MAI para já não adianta valores.

Além deste processo administrativo — que poderá ir na mesma parar aos tribunais administrativos, se a empresa contestar os argumentos da SGMAI —, não está fora de hipótese o Governo avançar para um processo nos tribunais por responsabilidade civil da empresa, para exigir, tal como diz a Linklaters, uma “indemnização por danos excedentes”. Isto, porque os vários relatórios dão conta não só das falhas, mas da relação causa-efeito que essas falhas tiveram no combate ao incêndio, uma vez que é dito que as interrupções nas comunicações “dificultaram as operações de controlo e comando”.

Mas este não é o único argumento que o Governo retira dos vários relatórios para ir contra a SIRESP SA.

Não se pode escudar na PT

O parecer da Linklaters, que avalia se o incêndio pode ser considerado motivo de força maior, defende que a SIRESP não se pode escudar no contrato com a PT. Este argumento estava quase no fim do documento, mas o Governo dá-lhe muita importância, a avaliar pelas palavras do próprio primeiro-ministro que, em entrevista ao Expresso na semana passada, disse que, se a rede da PT que o SIRESP usa não serve, então a empresa deve procurar outro fornecedor.

António Costa até admitiu que o colapso do SIRESP se deveu às falhas registadas na PT, nomeadamente a destruição pelo incêndio dos postes e dos cabos de fibra óptica (a rede de emergência nacional usa as infra--estruturas da PT Altice através de um contrato entre a SIRESP e a PT), mas acrescenta que isso não pode ser argumento para que a empresa se desresponsabilize dos deveres contratuais para com o Estado.

Ora esse argumento é explicado pela Linklaters no tal parecer que dá ao Governo os argumentos jurídicos para o processo contra a empresa. Começando por explicar que não se pronuncia sobre factos concretos, “designadamente as circunstâncias em que um incêndio possa afectar o cumprimento das obrigações de operadora [SIRESP]”, a Linklaters acaba por dar o seu parecer sobre o assunto. “A operadora não pode invocar as limitações do contrato com a PT para se eximir ao cumprimento das suas obrigações”, concluem os advogados, citando a cláusula 14.1 do contrato entre a SIRESP e a PT.

Para a Linklaters fica “claro que o contrato relativo a circuitos alugados a entidades privadas não pode limitar a responsabilidade da operadora”. Já antes, sobre os vários subcontratos que a SIRESP tem com outras empresas, o escritório de advogados explica que, tendo em conta as normas do contrato, a SIRESP é “a única e directa responsável pelo atempado e perfeito cumprimento” das normas contratuais, não podendo apresentar como justificação “qualquer contrato ou relação com terceiros para exclusão ou limitação dessa responsabilidade. A única excepção era se essa falha se devesse a “falhas de funcionamento de circuitos de comunicação disponibilizados por entidades públicas”. Ora, a PT é privada.

Altice é uma empresa privada.

Além deste argumento, a Linklaters diz que o contrato obriga a SIRESP SA a ter seguros “necessários para garantir uma efectiva e extensiva cobertura dos riscos”, entre os quais, o risco de incêndio. De acordo com o parecer do escritório de advogados, “não há dúvida” de que “o risco de incêndio é risco segurável”, e, por isso, mesmo que “o risco de incêndio afecte bens da operadora ou de terceiro e impeça ou torne mais oneroso o cumprimento das obrigações contratuais da operadora, é risco que corre por conta da operadora”.

Além do parecer da Linklaters, o MAI também se escuda na primeira parte do estudo que pediu ao Instituto das Telecomunicações (IT) que explica algumas falhas técnicas que aconteceram naqueles dias. Diz o relatório que “existiram falhas graves na rede SIRESP, com cortes prolongados no funcionamento normal do sistema de comunicações nas áreas cobertas pelas estações-base de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Serra da Lousã, Malhadas e Pampilhosa da Serra. Mais do que isso, lê-se no mesmo documento, “a solução técnica” para a ligação destas estações ao comutador em Coimbra, que é feita por “cabo de fibra óptica suportado em postes de madeira”, “não cumpre as exigências do caderno de encargos nem se configura como uma solução técnica adequada para usar numa floresta numa rede de segurança e emergência”.

O relatório concentra-se também na cobertura rádio assegurada pela SIRESP, admitindo que no geral “cumpre as especificações do contrato”. Mas acrescenta que estas “especificações” “são pouco exigentes, por não acautelarem as margens de segurança necessária em situações realistas”. Esta conclusão do IT poderia permitir uma futura renegociação do contrato. Aliás, a ministra ordenou à SGAI que, no prazo de 60 dias, apresente uma proposta de “enquadramento orgânico do SIRESP”, mudando a forma como a gestora da rede se relaciona com a empresa privada com a qual tem este contrato de espécie de parceria público-privada.

Depois de a ministra da Administração Interna revelar que iria penalizar a empresa, a SIRESP afirmou, num comunicado enviado ao DN, que “cumpriu escrupulosamente o contrato”. Esta tem sido aliás a postura da empresa que, desde a primeira hora, garantiu que “esteve à altura” durante o incêndio de Pedrógão. 

Afinal, o que é que correu mal? 

De acordo com o relatório da própria SIRESP, houve cinco estações de comunicações na zona do incêndio que deixaram de estar operacionais a 100%. A primeira a falhar foi a de Pedrógão Grande, pelas 19h38. Seguiram-se as de Malhadas (20h26), Pampilhosa da Serra (também às 20h26), Serra da Lousã (20h32) e Figueiró dos Vinhos (3h53 de sábado). Ora, para a empresa, apesar de estas estações terem entrado no chamado “modo local” — só permite comunicações entre operadores registados na mesma estação — “não houve interrupção no funcionamento da rede SIRESP, nem houve nenhuma estação-base que tenha ficado fora de serviço”.

Porém, como o PÚBLICO referiu na altura, além da limitação dessas cinco torres de comunicações, a estação mais próxima do incêndio registou elevados níveis de saturação de chamadas. O relatório da empresa avalia as “falhas” num período alargado de 15 horas (das 19h de 17 de Junho às 9h de 18 de Junho), não fazendo uma análise mais fina das falhas que ocorreram no período crítico do incêndio, aquele em que morreram as 64 pessoas, das 19h às 23h.

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