Sem seny

Seny é a palavra em catalão que significa sensatez e sentido comum. Nas últimas décadas, seny entrou no léxico da política da Catalunha como característica indissociavelmente ligada aos nacionalistas. O nacionalismo catalão era mais laboriosamente burguês – as terras catalãs foram pioneiras na revolução industrial em Espanha -, cosmopolita, pelo comércio do Mediterrâneo, e enraizado no tecido social que o nacionalismo basco. Na Catalunha, ainda sob a ditadura, o catalão era falado pela população nos seus contactos sociais – sempre houve a tradição de uma literatura em catalão – enquanto o euskera, a língua basca, era idioma de contacto longe das urbes industriais praticado nos casarios do campo, de população mais idosa e de menor protagonismo social.

As diferenças entre estes dois nacionalismos históricos marcaram o último quartel do século passado e os primeiros anos da presente centúria. Contudo, a recente evolução política levou a uma reviravolta.

Euskadi viveu sob a chaga da ameaça do terrorismo da ETA, que limitou a sua afirmação política. Uma vez derrotada informalmente a organização terrorista e desmantelados os seus apoios sociais, o País Basco renasceu. Sem complexos, a elite nacionalista acabou de assinar um acordo com o Governo de Madrid. É certo que os bascos, tal como os navarros, sempre beneficiaram de um estatuto de excepção, herdeiro dos foros, que o franquismo não desmantelou e que a democracia consagrou com letra constitucional.

Em contrapartida, a mediterrânica Catalunha tinha um capital de simpatia e adesão pelo seu cosmopolitismo e pela ausência no seu corpo doutrinário de aberrações como o basco Sabino Arana, fundador do nacionalismo basco moderno, que acusava os imigrantes andaluzes de gestos efeminados.

Contudo, tudo mudou. A radicalidade instalou-se na Catalunha, em parte fruto das políticas hostis e descaradamente centralistas dos governos conservadores de José Maria Aznar. E também por inexplicável comodidade dos ofendidos. A tendência agravou-se nos últimos anos pela debilidade do Governo de José Luís Rodriguez Zapatero, que afirmou, à margem da Constituição espanhola, aceitar tudo o que os parlamentares catalães decidissem. Sem tecto, o nacionalismo perde a luta por objectivos, acelera a história e reclama o céu.

Este erro de cálculo de Zapatero, tão primário que soou a uma rendição, não favoreceu os socialistas catalães: tornou-os acessórios na política da Catalunha. Mas esta responsabilidade não exime de culpas as sucessivas fugas para a frente dos nacionalistas catalães. Alguns destes passos apressados foram a resposta espúria a graves casos de corrupção investigados pelas entidades do Estado.

Nos últimos anos, a opção nacionalista tem perdido apoios porque suscita dúvidas e não responde às necessidades reais. O nacionalismo catalão perdeu o seny, não dá confiança às classes médias, cimento de qualquer regime, e vive ironicamente num albergue espanhol de influências contraditórias, onde a independência rima com anticapitalismo, o referendo vai de mãos dadas com o eurocepticismo, desenhando um peculiar populismo à beira do Mediterrâneo.

A campanha radical contra os turistas, que deveriam ser cativados como primeiros conhecedores e divulgadores da identidade catalã, é o grau zero do nacionalismo e resultado do tacticismo das suas alianças. Engordar a besta do radicalismo para depois a amestrar é um erro de engenharia político-social, além de uma clara desonestidade ética. Só se entende, porque foi iniciado um caminho sem retorno.

Há paradoxos. A Espanha, que se proclamava orgulhosa, insensível, com um império onde o sol nunca se punha, andou pelo mundo com a bússola virada para o ponto de partida. A Catalunha de 2017 vive a mesma situação.

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