“É da mais elementar justiça integrarem-nos nos quadros”

O futuro continua a ser incerto para os que trabalham na Administração Pública com contratos temporários. As expectativas criadas foram muitas, mas agora que o relatório foi conhecido a única certeza é que nem todos terão lugar nos quadros.

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Rui Brejo tem 45 anos. Alguns rostos de um conjunto de mais de 116 mil pessoas que prestam serviços ao Estado sem merecer um vínculo permanente — situação que pode agora começar a mudar Nuno Ferreira Santos
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Carla Jorge, 38 anos. Alguns rostos de um conjunto de mais de 116 mil pessoas que prestam serviços ao Estado sem merecer um vínculo permanente — situação que pode agora começar a mudar Nuno Ferreira Santos

Para os serviços do Estado funcionarem há auxiliares hospitalares que trabalham há anos em regime de subcontratação, professores com contratos temporários, desempregados que estão nas câmaras e juntas de freguesia ao abrigo de programas ocupacionais ou formadores do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) com recibos verdes há uma década. Segundo o Governo, são mais de 116 mil os trabalhadores que desempenham funções nos organismos públicos, empresas do Estado e autarquias sem terem um vínculo permanente.

Quem está nesta situação vive numa incerteza permanente e não faz planos a longo prazo. O diagnóstico apresentado no início de Fevereiro pelo Ministério das Finanças não os deixou mais tranquilos, uma vez que não indica quantos são efectivamente precários e poderão beneficiar do programa de regularização extraordinária. A resposta só chegará em Outubro, depois de cada caso ser analisado por uma comissão a criar em cada ministério. Até lá, há quem alimente a esperança de ter um lugar nos quadros, desfecho que certamente não abrangerá todos.

Rui Brejo, 45 anos, é licenciado e formador do IEFP a recibos verdes há quase dez anos. A primeira vez que falou ao PÚBLICO receava que a situação dos formadores nem sequer constasse do diagnóstico da precariedade no Estado. Afinal aparece: há 3888 formadores com contrato de prestação de serviços. Pelas contas deste licenciado em Filosofia, representam mais de metade das pessoas que trabalham para o IEFP. “Como é que alguém pode justificar isto”, questiona-se. Agora que o problema está “reconhecido e identificado publicamente”, tem de haver respostas, desafia.

Os números apurados pelo Governo pecam por defeito, pois não incluem, por exemplo, os trabalhadores em regime de outourcing. Carla Jorge, 38 anos, é uma dessas pessoas. Trabalha há uma década como auxiliar de acção médica no Centro Hospitalar do Oeste, contratada através de uma empresa em regime de outsourcing. O trabalho é sempre o mesmo, Carla nunca deixou de o fazer, mas a sua entidade patronal já mudou várias vezes. Na verdade, a empresa que a contrata apenas lhe paga o salário. O horário, a marcação de férias e o controlo da assiduidade é feito pela hierarquia do hospital.

“Nós exercemos funções permanentes no centro hospitalar há anos. Há colegas nessa situação há 19 anos”, indigna-se. “Sabemos que somos precisos, cumprimos horário completo. É da mais elementar justiça integrarem-nos” refere, colocando a esperança numa petição que está a ser dinamizada pelos precários do hospital e que espera venha a ser discutida no Parlamento.

Maria (nome fictício), 35 anos, assistente operacional numa grande câmara, também está apreensiva quanto ao futuro. Concorreu para um lugar na autarquia num processo de recrutamento que se iniciou há quase dois anos, mas em Agosto do ano passado, antes de o concurso terminar, foi chamada para trabalhar como cantoneira de limpeza a recibos verdes, porque havia falta de pessoal. Aceitou, na perspectiva de que seria uma situação provisória até ser selecionada pelo concurso.

 Afinal, soube há poucos dias, foi considerada como “não apta” nos testes médicos. Mas continua a trabalhar a recibos verdes, 46 horas por semana, situação que se manterá até ao Verão. Casada e com uma filha, já aprendeu que mais vale viver um dia de cada vez. “Gostava de ver esta questão da precariedade na Administração Pública resolvida”, diz ao telefone com o PÚBLICO.

Tal como Maria, há 5.772 trabalhadores a recibos verdes nas autarquias, a que se somam mais de 4500 contratos a termo e 12.738 pessoas a trabalhar ao abrigo de programas para desempregados (os chamados contratos-inserção). Muitos estarão a desempenhar funções permanentes, mas o programa de regularização lançado pelo Governo não os abrange. As autarquias só aderem se assim o entenderem.

Os sindicatos, que nesta segunda-feira se reúnem com a secretária de Estado das Finanças, também têm muitas dúvidas e esperam vir a ser envolvidos no processo. Para já, dizem ao PÚBLICO, começou mal, uma vez que conheceram o diagnóstico da precariedade pela comunicação social, que também os avisou de que fariam parte das comissões de avaliação da precariedade.

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