O muro primeiro

A construção de muros ou o encerramento de fronteiras não resolve o problema dos fluxos migratórios, desloca-os, simplesmente, para outros locais aparentemente mais contornáveis.

Bill Clinton construiu uma barreira entre Tijuana e San Isidro em 1994. George W. Bush reforçou as medidas de segurança oito anos depois. Donald Trump vai fazer muito mais do que isso: reforçar as barreiras que já existem e construir um novo muro, na fronteira entre os EUA e o México, para travar a imigração ilegal oriunda da América Latina, suspender os programas de apoio a refugiados e a concessão de vistos a cidadãos de sete países. Este muro é mais um reflexo do solipsismo arrogante que tomou conta de Washington desde a tomada de posse do novo Presidente. Mas Trump não está sozinho.

A construção de muros ou o encerramento de fronteiras não resolve o problema dos fluxos migratórios, desloca-os, simplesmente, para outros locais aparentemente mais contornáveis. Faz com que os migrantes se adaptem e procurem caminhos alternativos, geralmente mais perigosos, e com que aumente o número de vítimas mortais. É o que acontece no deserto do Arizona: quem ilude o controlo policial não ilude as ameaças do percurso, dos escorpiões e lagartos venenosos aos grupos organizados que se aproveitam deste far-west. É o que também acontece na fronteira espanhola de Ceuta e Melila: as valas e vedações encaminham o objectivo de chegar a solo europeu para outro deserto, muitas vezes mortal: o mar.

Os muros que crescem por todo o lado (existiam 16 quando o de Berlim foi derrubado e hoje já são mais de 60) foram criados para estancar o movimento de pessoas, numa separação entre nós e os outros, na recusa de qualquer alteridade, respondendo às inquietações da insegurança. Mas essa segurança é uma mistificação. Seja na Hungria, Israel, Espanha ou EUA, esta “arquitectura da exclusão” — como lhe chama a arquitecta espanhola Lucía Gutiérrez — tem dois resultados imediatos: ignorar os direitos humanos de milhões de pessoas e alimentar os mercados clandestinos que se aproveitam dos fluxos migratórios. Quem elege a construção de um muro como prioridade política (é porque) não tem nenhuma outra digna desse nome. Os muros transformam-se, também, em barreiras comerciais, como se o proteccionismo fizesse alguém mais rico. A globalização tão amaldiçoada à esquerda nas décadas finais do século XX abriu as portas que a direita mais conservadora e retrógrada quer agora fechar nos EUA ou no Reino Unido. Estranha ironia esta: quem agora quer fechar as portas foi quem impôs que elas se abrissem.

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