“Mais incentivos fiscais para pedir factura significarão menos economia paralela”

Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, recorda como foi desenhada a reforma da facturação de 2013.

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Paulo Núncio foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Governo de Passos Miguel Manso

Tornar obrigatório incluir o número de contribuinte em todas as facturas nunca foi equacionado porque seria inconstitucional, afirma Paulo Núncio, que era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais quando foi lançado o e-factura e que é actualmente fiscalista na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados. Em respostas escritas ao PÚBLICO, lembra como foi desenhada a reforma da facturação em vigor, sublinhando que nas operações entre as empresas já é obrigatório incluir o NIF.

Quando foi lançada a reforma da facturação, chegou a ser equacionada a introdução obrigatória do NIF em todas as facturas? Que problemas colocaria?
A partir de 1 de Janeiro de 2013, a reforma instituiu a factura obrigatória para todas as transacções comerciais em todos os sectores de actividade. Foram revogadas inúmeras dispensas de facturação e as empresas deixaram de poder emitir e entregar quaisquer outros documentos que não fossem facturas para titular transacções comerciais. Os agentes económicos passaram pela primeira vez a comunicar electronicamente as suas facturas à Autoridade Tributária, o que permitiu à administração ter um controlo “em tempo real”.

Nas operações entre empresas a inclusão do NIF nas facturas é obrigatória, sendo condição necessária para efeitos de IVA e do IRC. Pelo contrário, nas operações entre empresas e consumidores finais, a factura é obrigatória mas a inclusão do NIF do consumidor final é opcional e não obrigatória. A obrigatoriedade do NIF nestas operações não foi equacionada e nunca o poderia ter sido, sob pena de violação dos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente o direito ao respeito pela vida privada e o direito à protecção dos seus dados pessoais.

De forma a proteger os dados pessoais fornecidos voluntariamente por cada contribuinte nas facturas, foram adoptadas regras restritivas para limitar o âmbito dos dados a comunicar pelas empresas, restringir a utilização destes dados às finalidades exclusivas do regime, assegurar a confidencialidade do respectivo tratamento pela AT, impedir a sua utilização indevida e fixar os prazos para a sua conservação e posterior destruição.

Foram lançadas várias medidas de incentivo ao pedido de facturas. Estabilizado o regime de facturação, pensa que se deveria equacionar uma retirada progressiva destes benefícios para reduzir a despesa fiscal em IRS ou ainda não estamos nesse “ponto de equilíbrio”?
A introdução de benefícios fiscais ao nível do IRS na reforma da facturação teve como objectivo incentivar o pedido de facturas nas operações entre as empresas e os consumidores finais. Estes benefícios devem ser mantidos e reforçados. O reforço dos benefícios fiscais em IRS para pedir factura pode passar quer por alargar os tectos aplicáveis à categoria das despesas gerais familiares, criada na reforma do IRS, quer por incluir novas actividades económicas na dedução por exigência de factura, quer ainda por aumentar as taxas aplicáveis a estas deduções. Mais incentivos fiscais para pedir factura significarão menos economia paralela. E significarão também mais formalidade e concorrência mais leal entre os agentes económicos. E significarão, por fim, mais receita fiscal sem aumento de impostos.

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