Novas lentes de contacto para lesões da córnea aumentam a visão em 30%

Investigadores da Universidade do Minho estão a fazer testes clínicos para validar a segurança e eficácia de lentes semi-rígidas e maiores, que se apoiam na parte branca do olho. Destinam-se a problemas na córnea causados por doenças, acidentes ou cirurgias.

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As lentes esclerais são as maiores, as duas do lado direito da imagem DR

Chamam-se lentes esclerais porque ficam apoiadas na região escleral (a parte branca) do olho. São, por isso, maiores do que as lentes de contacto convencionais. Também não são gelatinosas, como as que são usadas para compensar a miopia ou astigmatismo, mas semi-rígidas. Cientistas do Laboratório de Investigação em Optometria Clínica e Experimental (CEORLab) da Universidade do Minho estão a testar estas lentes de contacto em pessoas com problemas na córnea e registaram uma recuperação de visão de 30% em média.

Quando a córnea, a parte transparente e protectora do olho, sofre algum tipo de lesão, a visão é afectada. “A córnea é o principal elemento que vai contribuir para formar a imagem dentro do olho, na retina, se algo a afectar é como se tivéssemos uma janela arranhada ou distorcida e, por isso, vai distorcer tudo o que vemos à nossa volta”, explica José González Méijome, director do CEORLab. É como se mergulhássemos num mundo desfocado e os nossos olhos estivessem debaixo de água. Os óculos ou as lentes de contacto convencionais não conseguem compensar esta distorção e, se o fazem, essa reabilitação é muito tímida, diz o especialista.

Os ensaios clínicos no laboratório da Universidade do Minho estão a ser feitos com as lentes esclerais, um produto que já existe no mercado mas que, neste caso, está a ser adaptado e optimizado. “Estas lentes que estamos a testar estão aprovadas pela FDA [a agência norte-americana que regula os medicamentos e alimentos], mas ainda não estão a ser comercializadas. Há já outras lentes esclerais no mercado. Mas estas não existem”, diz o director do CEORLab, que está a validar a sua segurança e eficácia num projecto que une a ciência à indústria e que é realizado em parceria com uma empresa norte-americana que vai produzir estas lentes. “Temos a capacidade de redesenhar estas lentes e modificar os seus parâmetros, como o raio de curvatura, a potência, o diâmetro, a correcção do astigmatismo, o grau de assimetria. São umas novas lentes”, sublinha José González Méijome.

No laboratório da Universidade do Minho os testes clínicos já decorrem há cerca de um ano. Actualmente, os investigadores estão avaliar um grupo de 50 pessoas com idades entre os 18 e 67 anos que estão a usar estas lentes. Cerca de 25 destes doentes já as usam há um ano. O projecto ainda está em curso e o processo de recrutamento só deverá terminar em Janeiro quando conseguirem juntar 60 doentes. “Já percebemos que as lentes conseguem aumentar a capacidade visual e, em muitos casos, duplicam-na”, refere José González Méijome. O ganho, especifica, é de três a cinco linhas de acuidade visual comparando com a visão que a pessoa tinha quando usava outro método de compensação, fossem outras lentes de contacto ou óculos.

Para usar uma linguagem pouco científica mas que as pessoas estão habituadas numa consulta com um especialista, “isto significa que em média as pessoas entram no consultório a ver qualquer coisa como 30 a 40% e saem a ver 80 a 90%”, explica o investigador. Cada linha de acuidade visual representa cerca de 10% de melhoria na visão. Em média, a melhoria observada pelos investigadores é na ordem dos 30%, mas pode ser superior. “Temos casos em que observámos pessoas que não tinham mais do que 20% da visão e conseguiram chegar a 80 %”, confirma. “Parece apenas um número mas esta diferença pode mudar vidas”, diz José González Méijome, lembrando que “uma pessoa que vê abaixo dos 50% pode nem sequer estar habilitada para a conduzir um carro”.

As lesões na córnea podem surgir na sequência de acidentes, complicações cirúrgicas ou patologias (uma das mais frequentes é o chamado “queratocone”, quando a córnea adopta uma forma muito bicuda, que afectará 1 em cada 2 mil pessoas.). Existem também problemas que surgem na sequência de cirurgias usadas, por exemplo, para compensar a miopia, diz o especialista.  “A cirurgia a laser é um método altamente eficaz mas, por vezes, a córnea sofre uma descompensação e começa a degenerar. Há uma perturbação da visão e o doente não consegue ver, nem com óculos nem com lentes de contacto normais.”

Além de quantificar a melhoria da visão com o uso destas lentes esclerais, o projecto do CEORLab também quer estudar a “reacção da superfície ocular a estes dispositivos e se é possível utilizá-las durante longos períodos de tempo”, diz José González Méijome. “Na segunda parte do projecto, que agora se inicia, também iremos avaliar as diferentes propriedades biológicas da lágrima e dos tecidos oculares para perceber o impacto destes dispositivos.” A investigação é ainda o trabalho de doutoramento de Rute Araujo, uma aluna da Universidade do MInho que, actualmente, é a única instituição de ensino no país que garante desde a licenciatura ao grau de doutoramento na área da otpometria. 

Para explicar como funcionam estas lentes, o investigador usa a imagem de um acidente. “É como se tivéssemos um carro amolgado, enchêssemos com massa a parte da amolgadela e déssemos uma tinta por cima. Aparentemente, está novo mas por baixo a superfície está achatada, colocámos à sua frente um material rígido que, de alguma forma, disfarça a irregularidade”, diz. Assim, quando a luz chega ao nosso olho, em vez de encontrar uma superfície deformada, já encontra uma superfície regular com a qual já pode focar outra vez a imagem na retina. "São lentes de contacto terapêuticas. Elas não estão só a tirar os óculos da frente da cara por questões cosméticas, podem ser a única solução para recuperar a visão.”

Nos últimos anos, as lentes esclerais, um material rígido permeável aos gases, têm sido muito exploradas, beneficiando dos avanços tecnológicos nos materiais (polímeros) e no desenho e fabrico deste tipo de dispositivos. “Este projecto visa sistematizar as observações que se estão a fazer no terreno clínico. O que queremos é padronizar e demonstrar, com uma amostragem suficiente e estatisticamente representativa, que são seguras e eficazes. Por outras palavras, provar que não fazem mal à córnea e que conseguem reabilitar a visão do olho”, resume o director do CEORLab.

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