FMI diz que reestruturação da dívida “nunca foi uma opção realista” em Portugal

Análise do Fundo diz que programa da troika teve “sucesso parcial”, mas defende decisões de aplicar forte austeridade no arranque e de não reestruturar a dívida.

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Entidade liderada por Christine Lagarde recuou em algumas das autocríticas feitas num passado recente JOSHUA ROBERTS/REUTERS

Na sua análise, passados dois anos e meio, sobre o que correu bem e o que correu mal no programa da troika em Portugal, o Fundo Monetário Internacional (FMI) chega à conclusão que se atingiu um “sucesso parcial” em que se conseguiu garantir o regresso aos mercados, mas não se eliminaram os entraves estruturais ao crescimento da economia. Ainda assim, em relação às “grandes decisões”, como a de não avançar para uma reestruturação da dívida ou a de aplicar um volume muito forte de austeridade logo no início do programa, os técnicos do Fundo dizem agora que dificilmente se poderia ter ido por outro caminho.

“O programa trouxe estabilização mas não sustentabilidade”, esta é a frase que resume o pensamento da equipa do FMI que teve a tarefa de avaliar a acção da troika em Portugal.

Do lado dos “sucessos”, aquilo que se destaca é a forma como foi dada “a resposta à crise”. O Fundo diz que “os desequilíbrios macro foram eliminados”, nomeadamente com o desaparecimento dos défice externos e a redução “significativa” do défice orçamental, destaca o facto de se ter reconquistado o acesso aos mercados e assinala que “uma crise do sector financeiro foi evitada“.

No pós-resposta à crise é que os sucessos são muito menos claros, assume o Fundo. Continua a subsistir uma enorme dívida tanto no sector público como no sector privado e isto, além de deixar o sector bancário “cada vez mais frágil”, dificulta qualquer retoma económica. Além disso, diz o relatório, “embora tenha havido alguns ganhos ao nível das reformas estruturais e nos indicadores de competitividade", estas alterações "não foram adequadas para restabelecer o equilíbrio interno, o que significa que o crescimento continua a um nível baixo e o desemprego elevado”.

Apesar desta análise em que encontra factores positivos e negativos nos resultados obtidos pelo programa, o relatório agora publicado pelo Fundo é muito moderado nas críticas que faz às opções tomadas na altura pelos técnicos que entre 2011 e 2014 estiveram em Portugal. E até apresenta um recuo nas auto-críticas feitas em anteriores relatórios do FMI a algumas das características do programa aplicado nos países resgatados na zona euro.

Isto é particularmente visível quando se fala da dose aplicada de austeridade e da opção de não avançar para uma reestruturação da dívida.

Num passado recente, vários responsáveis do Fundo admitiram que se subavaliou o impacto económico da austeridade e que, por isso, poderia ter sido melhor não ter sido tão agressivo nos cortes de despesa e no aumento de impostos logo no início do programa, já que a recessão que foi provocada acabou por colocar em causa os objectivos do programa. De igual modo, ganhou força dentro do FMI a ideia de que, em futuros programas com países com níveis de dívida tão elevados, a realização de uma reestruturação da dívida logo à partida deve ser uma condição exigida para a participação do Fundo no programa.

No entanto, analisando agora o caso específico de Portugal, as conclusões são bastante menos definitivas. No caso da austeridade, embora se assuma que o efeito recessivo das medidas possa ter sido maior que o previsto, assinala-se que o impacto não foi tão grande como aquele que chegou a ser estimado a partir de 2012, calculando-se que as vantagens de uma redução da carga inicial de austeridade poderia não trazer grandes vantagens. “Um grande ajustamento orçamental feito logo à cabeça era a única estratégia prática”, diz o relatório.

Pelo contrário, quando fala da estratégia seguida no sector financeiro, o Fundo até afirma agora que “a atenção dada a proteger o crescimento pode ter adiado o ajustamento inevitável”, defendendo que o programa deveria ter sido mais agressivo na limpeza dos balanços dos bancos, mesmo correndo o risco de uma recessão imediata mais pesada.

Em relação a uma reestruturação de dívida, embora assinalando que estas, para terem impacto, devem ser feitas o mais cedo possível, os técnicos do Fundo concordam com a decisão tomada pelas autoridades portuguesas e pela troika de não reestruturar a dívida logo à partida e, principalmente, em 2012, quando essa possibilidade esteve claramente em cima da mesa. “A reestruturação nunca foi uma opção realista dados os custos e riscos imediatos e os benefícios incertos”, afirma.

“As ‘grandes decisões’ tomadas no programa foram justificadas”, conclui o relatório.

Entre as lições tiradas pelo Fundo destaca-se a ideia de que um programa de apenas 3 anos não pode ir muito longe, assinalando que no caso português se deveria ter aplicado um segundo programa “para guiar o processo de ajustamento inacabado até a uma conclusão sólida”.

De igual modo, o FMI não esquece o facto de o Tribunal Constitucional português ter forçado o recuo em algumas das medidas do programa, afirmando que “em casos extremos, [o Fundo] pode ter de abandonar o programa se os compromissos exigidos pelo sistema legal se tornam inconsistentes com o sucesso”.

A análise do FMI à forma como foi implementado, entre 2011 e 2014, o programa de ajustamento português foi realizada por uma equipa composta por elementos de diversos departamentos da instituição, não contando com a participação da equipa que participou na definição e fiscalização do programa e que actualmente continua a visitar regularmente o país.

Numa reacção imediata ao relatório publicado pelo FMI, o Governo critica o tom elogioso usado, acusando o fundo de dar pouca importância aos impactos que as medidas tiveram sobre a população. "Se é certo que Portugal garantiu o acesso aos mercados e logrou alcançar excedentes orçamentais primários fê-lo à custa de grandes sacrifícios sociais e do tecido empresarial. Uma situação agravada pelo estado do sector financeiro", afirma em comunicado o Ministério das Finanças.

A equipa liderada por Mário Centeno refere ainda a existência de um "custo social que o Fundo omite" no seu relatório: "a emigração em massa de 400.000 portugueses, a maioria deles jovens altamente qualificados".

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