Conselho Europeu é essencial para a crise dos refugiados, diz António Costa

“Não é a ceder nos valores que defendemos a Europa”, disse o primeiro-ministro, para quem o Conselho Europeu será fundamental para garantir protecção internacional dos refugiados. Costa acredita pouco no mecanismo de retorno Grécia-Turquia.

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Alexis Tsipras e António Costa na cimeira de 18 de Fevereiro, em Bruxelas STEPHANE DE SAKUTIN/AFP

Pelo menos num ponto as várias forças políticas estão de acordo e o primeiro-ministro, António Costa, salientou isso mesmo, esta quarta-feira no Parlamento, durante o debate preparatório para o Conselho Europeu: as palavras que ouviu “ilustram” apreensão geral sobre a crise dos refugiados: “É o maior desafio com que a Europa se confronta.”

Por isso mesmo disse que o Conselho Europeu desta semana, no qual poderá ser concluído um acordo com a Turquia, será fundamental para garantir a protecção internacional dos refugiados. “Esta crise é uma ameaça à Europa dos valores e por isso deve ser enfrentada, resolvida, tendo presente o valor essencial da dignidade da pessoa humana”, disse, na abertura do debate sobre o Conselho Europeu que decorrerá na quinta e sexta-feira em Bruxelas e que tratará de questões económicas e da crise migratória.

“A Europa não enfrentará com sucesso [esta crise], se cedermos no essencial, nos valores”, frisou. “Não é a ceder nos valores que defendemos a Europa.” Costa vincou que deve ser dada prioridade à “catástrofe humanitária” e que o dever de todos é contribuir para que quem precisa tenha uma “nova oportunidade para reconstruir a sua vida”. O governante está, porém, consciente de que tal coloca a “cada Estado-membro dificuldades muito próprias”.

E referiu-se a um ponto no texto a concluir com a Turquia como “particularmente delicado”: a aplicação do acordo de readmissão negociado e assinado entre a Grécia e a Turquia. “Quanto a este [ponto], há que fazer dois tipos de distinção: a distinção entre refugiados e aqueles que, sendo migrantes, não têm estatuto de refugiados”, disse, acrescentando que é fundamental garantir uma “análise individualizada de cada caso” e não tomadas de decisão conjuntas e genéricas. “Tem de prevalecer sempre o direito humanitário no que diz respeito à protecção dos refugiados”, insistiu, lembrando que a Convenção dos Direitos Humanos “proíbe qualquer forma de expulsão colectiva”.

Costa, que anunciou que irá à Grécia a convite do seu homólogo, afirmou ainda ter dificuldade em acreditar no acordo Grécia-Turquia como solução para controlar a crise de refugiados e combater redes de tráfico. “Tenho esperança que aqueles que acreditam tenham razão. Eu tenho dificuldade em acreditar”, disse, referindo-se ao mecanismo rápido e de grande escala de retorno de imigrantes irregulares do solo helénico para a Turquia. Para Costa, o mecanismo de reinstalação na Europa deve abranger aqueles que na Turquia já são objecto de protecção internacional e o mecanismo de retorno (da Grécia para a Turquia) não pode incluir quem também já goza do estatuto de protecção internacional.

Costa reiterou que a posição que Portugal tem assumido pretende ser “construtiva”, procurando “encontrar soluções que respondam às dificuldades de cada um”. E terminou a sua intervenção lembrando tragédias do passado, que a Europa não deve repetir, defendendo que deve ser dada “protecção” a qualquer ser humano, onde quer que esteja. “Convém que a Europa nunca esqueça o trágico contributo que a II Guerra Mundial deu para a construção deste estatuto de refugiados, pois teve causa, origem e palco na Europa. Saibamos contribuir da melhor forma.”

“Um projecto em agonia”

Antes, o deputado do PSD Miguel Morgado reconheceu que "a Europa vive a sua mais grave hora de crise" e tem "um comportamento de quem estava impreparado". “É uma questão de dignidade humana. Não podemos admitir que nenhum governo ou Estado instrumentalize a questão para outros debates políticos. O Conselho Europeu vai aprovar o plano de acção conjunta com a Turquia, que está cercado de dificuldades. Se for implementado – e não é líquido –, Europa inteira vai precisar de escrutínio e monitorização”, afirmou.

Já a porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, não poupou nas palavras: “A União Europeia é hoje um projecto em agonia.” A discordância do BE do programa acordado entre a União Europeia e a Turquia é conhecida. Catarina Martins insistiu: é “trágico”. Para a bloquista, a União Europeia “prepara-se nada mais, nada menos” do que pagar à Turquia para que a “tragédia” aconteça fora. “A tragédia pode acontecer, desde que seja fora”, disse, acrescentando que “esse é o modelo falhado de Guantánamo”, o de “enviar as pessoas” para longe. Para Catarina Martins este é, por isso, o “tempo de não ficar calado”, de “recusar a Europa dos muros” e de ir às “causas” dos problemas.

“É desesperante o vagar com que a Europa continua a não conseguir dar resposta a este drama. Em dez conselhos europeus consecutivos, a Europa não conseguiu encontrar respostas”, afirmou, por sua vez, o centrista Pedro Mota Soares, embora salientando o exemplo positivo de Portugal no acolhimento de refugiados. “Não podemos permitir que esta crise migratória destrua, como já fez, o sistema de Schengen, e agora ameaça a própria tradição humanista da Europa. Esta é cada vez mais uma crise institucional da União Europeia”, acrescentou. Admitiu que o acordo com a Turquia “pode não ser perfeito”: “Mas não podemos ignorar a posição estratégica daquele país, onde estão 2 milhões e 800 mil refugiados às portas da Europa”, argumentou.

Vitalino Canas, do PS, também considerou que a “prioridade” é “cuidar dos migrantes” que estão a passar por situações que atentam contra a “dignidade”, que “insultam os nossos valores europeus, que atormentam as nossas consciências”. Quanto às dúvidas que o acordo com a Turquia suscita, observou que a relação com este país é “estratégica e vital” para se resolver a crise imigratória, que é uma parceria que “interessa à Europa e à Turquia”. E rematou, referindo-se à disponibilidade de Portugal em acolher refugiados e considerando que o país “está a dar o exemplo” no modo “como se deve construir o projecto europeu”.

Também o Partido Ecologista Os Verdes, pela voz de José Luís Ferreira, reconheceu que a Europa está “a viver uma tragédia” e que as respostas “não têm dado resultados práticos”. O comunista Jerónimo de Sousa também salientou os “sinais positivos” do Governo português em relação ao fenómeno migratório.

Silêncio sobre o semestre europeu

Antes, o PSD, pela voz de Miguel Morgado, apontou mais para a frente. E questionou António Costa sobre qual “a estratégia concreta do Governo” para o Conselho Europeu de Junho sobre a união bancária, em especial sobre o que o irá defender “para impedir o revés que o país sofreu quando o mecanismo europeu de garantia de depósitos foi retirado” da agenda.

Mais abrangente, Pedro Mota Soares criticou as opções do Governo e do Orçamento acabado de aprovar, dizendo que “as reformas estruturais” realizadas pelo anterior Governo estavam a dar resultado, dando o exemplo do mercado de trabalho, que “começou a dar sinais de recuperação no primeiro semestre de 2013”.

O ex-ministro centrista alerta para as consequências de “reverter essas reformas estruturais”: “Reverter a descida do IRC é um erro, reverter as reformas do Código de Trabalho é um erro.”

O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, defendeu o contrário: “O relatório sobre Portugal mostra que, para eles [instituições europeias], algumas das medidas mais positivas que acabamos de aprovar neste OE são negativas. Eles querem mais desregulamentação laboral. Eles pretendem destruir o que acabámos de aprovar. O único caminho é resistir a pressões e dizer não.”

Catarina Martins considerou que há “duros desafios pela frente”. Para a bloquista, se o Conselho Europeu “levasse a sério” o crescimento e o emprego, estaria a discutir a reestruturação da dívida. A porta-voz teceu ainda fortes críticas à forma como a Europa lida com a banca, considerando que está em causa “um novo ataque aos países periféricos” e que o país está a pagar “para não ter” banca. Sobre o semestre europeu o primeiro-ministro optou por nada dizer.

Satisfação com o Governo

PS, PSD e CDS-PP aprovaram um voto que expressa a satisfação pela posição do Governo português na questão dos refugiados, um voto que teve a abstenção do PCP, BE, PEV e PAN. No documento, proposto pelo PS, os deputados defendem que a resolução da crise dos refugiados "não se encontra através do encerramento de fronteiras", nem "isolando os Estados-membros que enfrentam maior pressão nas suas fronteiras".

"Entende ainda a Assembleia da República exprimir a sua satisfação pela acção do Governo de Portugal neste domínio, ao manifestar a sua disponibilidade para acolher mais refugiados, numa demonstração clara de solidariedade a nível europeu e que deveria ser seguida por outros governos europeus", refere o voto.

Um voto de condenação apresentado pelo BE pelo encerramento de fronteiras em vários países europeus foi aprovado por unanimidade. Nele se exprime a "mais viva preocupação com as decisões de Estados-membros da União Europeia de encerramento de fronteiras que se abate discriminatoriamente sobre os requerentes de protecção internacional".

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