Ministra da Justiça quer reabrir tribunais mas não diz quantos

Francisca Van Dunem acredita que reforma do mapa judiciário teve um "efeito perverso". Questionada pelos deputados da oposição, a ministra não adianta se vai reabrir todos os edifícios que foram fechados ou só alguns.

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A ministra da Justiça nesta terça-feira no Parlamento Enric Vives-Rubio
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A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, diz que a reforma dos tribunais realizada pela sua antecessora Paula Teixeira da Cruz teve o "efeito perverso" de afastar as populações da justiça e promete corrigir a situação, reabrindo edifícios fechados pela reforma do chamado mapa judiciário, que levou ao encerramento de 47 tribunais. 

A governante não adianta se vai abrir todos os tribunais fechados no Verão de 2014 – os 20 efectivamente fechados e os 27 transformados em secções de proximidade – ou apenas parte deles. A pedido do Ministério da Justiça, a Associação Nacional de Municípios está a questionar as autarquias atingidas pelos encerramentos sobre a existência de uma rede de transportes públicos que permita às respectivas populações aceder à oferta judiciária, tendo-lhes dado até 12 de Fevereiro para lhe fazerem chegar uma resposta.

Na sua primeira audição na comissão parlamentar de direitos, liberdades e garantias, esta terça-feira à tarde, Francisca Van Dunem explicou como os 40 quilómetros que separam um utente de um tribunal “podem transformar-se em 150 ou 200”, caso não existam bons acessos ou transportes para lá chegar. Cautelosa, a governante prefere dizer que vai usar alguns dos edifícios onde antes funcionavam tribunais para que neles voltem a ser praticados certos actos judiciais, como julgamentos, em vez de afirmar peremptoriamente que irá reabrir tribunais – o que significa que não irá criar novas unidades orgânicas.

A solução passará por fazer deslocar os magistrados às localidades que ficaram sem tribunal – algo que de resto já acontecia em algumas regiões. “Há bastantes instalações abandonadas que é possível utilizar. Não todos os dias, mas num regime que já existiu, em dias fixos”, explicou Francisca Van Dunem aos deputados. A reforma do mapa judiciário “criou distorções”, disse, porque “determinadas populações deixaram de ter acesso a determinados segmentos da justiça”. Por essa razão, será "revisitada comarca a comarca, município a município, caso a caso", num trabalho “quase de filigrana” destinado a “identificar e corrigir as situações mais graves”. Sendo certo que, nalguns casos, será preciso “dar tempo ao tempo”, para perceber se a concentração de valências nas sedes de distrito foi ou não excessiva.

Sobre o afastamento entre as populações e a justiça, a ministra mostrou-se particularmente preocupada com uma valência para a qual o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa já chamara a atenção: os tribunais de família e menores. “Não se pode ter uma oferta especializada de justiça que apenas sirva os grandes centros urbanos. Faz sentido que fora deles os tribunais de competência genérica não incluam jurisdição de família e menores?”, interrogou, questionando uma das bandeiras da sua antecessora, apresentada então como uma das vantagens da reforma: a criação de tribunais especializados. “Encontramos magistrados não especializados nos tribunais especializados”, criticou a ex-procuradora-geral distrital de Lisboa.

As comarcas são hoje geridas por três figuras: um juiz-presidente, um procurador-coordenador e um administrador judiciário. “A aposta na gestão está correcta. O problema é que ninguém está preparado para gerir as comarcas”, diagnosticou a magistrada, que quer acelerar o andamento dos processos nos tribunais. Em Vila Real, exemplificou, os utentes do tribunal já são informados do prazo previsível de resolução das acções em que estão envolvidos. A ideia é que isso passe a suceder em todo o país. Para levar a sua avante, Van Dunem pretende criar comarcas-modelo, onde possa ser estudada a resolução do congestionamento processual, por áreas e por níveis, e também a capacidade de trabalho de magistrados e oficiais de justiça.

Outra "consequência nefasta" da reforma judiciária foi a situação "tóxica" em que deixou a base do Ministério Público, por via da promoção e da transferência de muitos procuradores para jurisdições especializadas, disse. “A carreira foi aberta e a base do Ministério Público ficou completamente descalça. Os únicos dois inspectores que existem estão jubilados”, exemplificou. Van Dunem já mandou abrir cursos para novos magistrados, mas a sua formação demora três anos. Com muitos juízes quase a atingirem a idade de aposentação obrigatória (70 anos), o caso pode tornar-se bicudo, a crer na ministra: “No Supremo Tribunal de Justiça a situação é gravíssima”.

Também a merecer ponderação está a desigualdade de meios entre a justiça tributária – onde os juízes “isolados” enfrentam empresas “assessoradas por grandes escritórios de advogados”. Neste caso, Francisca Van Dunem falou na possibilidade de rever as alçadas dos tribunais – ou seja, os limites de acesso às diferentes instâncias consoante o valor das causas – para os processos com elevados níveis de complexidade. Também mencionou a necessidade de capacitar a Polícia Judiciária, que “precisa de um reforço permanente de meios”, no que respeita ao combate contra o terrorismo, à cibercriminalidade e aos crimes económicos e contra a autodeterminação sexual.

Dos planos da nova equipa governativa da Justiça fazem ainda parte medidas destinadas a simplificar os procedimentos relacionados com os passaportes e cartões do cidadão, que serão anunciadas em breve.

Questionada pelo deputado do PSD Carlos Peixoto sobre a sua estratégia para o sector, a magistrada afirmou que o seu conhecimento é, sobretudo, prático, uma vez que trabalha no sistema há três décadas. “Tenho ideias que provavelmente são utopias”, reconheceu. Mas nem por isso as deixará de tentar pôr em prática. Uma coisa é certa: evitará fazer novas leis. “Os operadores judiciários estão inundados de legislação. O que não temos é eficácia”.

Reclusos a viver em “condições desumanas"

Há reclusos a viver em condições desumanas, diz a nova ministra. E o Estado “não pode deter as pessoas nessas condições, porque não tem o direito de as privar da sua dignidade”. Francisca Van Dunem apontou o Estabelecimento Prisional de Lisboa como um dos locais em que isso acontece, mas não será o único. O sistema prisional está “violentamente pressionado” pela sobrelotação. A explicação de como se chegou aqui será óbvia: “A suborçamentação do sistema prisional foi de menos 29 milhões de euros” em 2015. O pior é que o orçamento de 2016 “será ainda de grande contenção”, e por isso não resolverá os problemas de “subfinanciamento crónico”, adiantou Van Dunem aos jornalistas à saída da sua primeira audição na comissão parlamentar.

Ressalvando que o orçamento não se encontra ainda fechado, estando marcada mais uma reunião do Governo para discutir o assunto, a governante não explicou como tenciona resolver uma questão que já levou organizações internacionais a criticarem Portugal. As estatísticas penais anuais do Conselho da Europa mostram que a taxa de morte nas cadeias portuguesas é o dobro da média europeia: 50 mortes por dez mil reclusos, contra uma média de 26,3 nos 47 países do Conselho da Europa. 

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