Teremos sempre Paris

Eu não estou com saudades de George W. Bush, mas se estar no Iraque foi mau, não estar na Síria está a ser péssimo.

A tragédia de Paris vai voltar a acontecer, e todos nós sabemos isso. A dúvida está na proporção dos futuro atentados e, sobretudo, na sua regularidade. Os espanhóis aprenderam a viver com a ETA e os israelitas com os atentados do Hamas – se sempre existiu uma distância gigantesca na militarização das duas sociedades, ela justifica-se pela diferença abissal entre um perigo intermitente e uma ameaça constante. Os terroristas precisam de bem mais do que um ou dois atentados por ano para alterar radicalmente o nosso modo de vida. Mas se Paris vier a repetir-se todos os meses por essa Europa fora, aí sim, o medo poderá alastrar de forma descontrolada.

Não há, contudo, sinais de que tal possa vir a acontecer. Por muita juventude radicalizada que haja em França ou em Inglaterra, não é crível que o Estado Islâmico encontre todos os meses sete fanáticos com passaporte da União Europeia dispostos a fazerem-se explodir. O fanático europeu, felizmente, é um recurso escasso, e muito vigiado. Estes atentados, pelo nível de planeamento e pelos recursos que envolvem, tenderão a ser episódicos, e por isso a primeira coisa que há a fazer é manter a cabeça fria: apesar da terrível violência, não é a primeira vez que um mal absoluto e sem regras surge diante de nós, nem esta é a forma mais grave que historicamente tomou. A Europa liberal sobreviveu ao nazismo e ao comunismo – também irá, com toda a certeza, sobreviver ao fundamentalismo islâmico.

Muitas vezes, contrapõe-se ao discurso da “culpa ocidental” (mais próprio da esquerda) o discurso do “declínio dos valores” (mais próprio da direita), sugerindo-se que há um relativismo insidioso que está a colocar a civilização ocidental em perigo. Ora, se não há dúvida de que o discurso multiculturalista se revelou de uma confrangedora ingenuidade, não é menos verdade que a civilização ocidental, a democracia liberal e a economia de mercado não vão acabar amanhã à tarde. Apesar dos atentados, as próprias comunidades muçulmanas europeias têm vivido ao abrigo de retaliações, prova de que hoje em dia existe uma opinião pública instruída, capaz de resistir às mais primárias demagogias.

Mas se, por um lado, convém evitar a armadilha do excesso de alarmismo, por outro convém evitar a armadilha do excesso de passividade. Um atentado desta dimensão não se combate apenas a beber, a dançar e a tocar o Imagine nas ruas. Como a História já nos provou à saciedade, a firmeza dos princípios e a beleza dos sentimentos apenas sobrevivem em ambientes minimamente seguros. É óbvio que o mundo ocidental tem de reagir, dentro e fora das suas fronteiras. Dentro das fronteiras, impedindo a proliferação de mesquitas radicais e de centros de recrutamento de fundamentalistas, por muito amor que tenhamos à liberdade de expressão. Fora das fronteiras, atacando o Estado Islâmico de forma decidida, o que significa ir além do drone telecomandado e das saídas nocturnas de aviões.

Como é óbvio, o trânsito de terroristas entre a Europa e a Síria tem de ser estancado – uma coisa são fanáticos a aprender a construir bombas artesanais em apartamentos, outra coisa são fanáticos com treino de guerra à solta em Paris com kalashnikovs. Eu não estou com saudades de George W. Bush, mas se estar no Iraque foi mau, não estar na Síria está a ser péssimo. Para não termos soldados a morrer lá, temos civis a morrer cá. Isso é insustentável. Mais dia, menos dia, as botas ocidentais terão de voltar ao Médio Oriente.  

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