Abandonar vítimas após provocar acidente de viação pode sair muito caro

Acórdão do Supremo que fixa interpretação da lei para o futuro dividiu profundamente os juízes conselheiros.

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Supremo Tribunal de Justiça confirmou a extradição em Março Nuno Ferreira Santos

Os condutores que provocarem um acidente de viação e abandonarem de seguida as vítimas que o mesmo originar vão poder ser responsabilizadas por todos os danos que o acidente causar, podendo a seguradora, que pagou as indemnizações aos lesados, exigir ao condutor a devolução do montante total gasto nas compensações. O entendimento resulta de um acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) publicado esta sexta-feira no Diário da República, que dividiu quase ao meio os juízes daquele tribunal.

A maioria dos magistrados judiciais (19 contra 16) defendeu que o condutor pode ser obrigado a devolver a totalidade dos danos e não apenas os que decorrerem directamente do abandono das vítimas, que podem, por exemplo, acabar por morrer na sequência do atraso do socorro.

Esta questão originara vários acórdãos em sentidos contrários, o que levou que, num caso concreto, a companhia de seguros Generali solicitasse a intervenção do pleno das secções cíveis do Supremo. A seguradora queria obrigar um condutor a reembolsá-la dos mais de 98 mil euros pagos ao herdeiro de uma vítima mortal de um acidente ocorrido em 6 de Abril de 2007. A Relação deu como provado que, por desatenção, o condutor galgou a berma de uma rua na Anadia, no distrito de Aveiro, tendo embatido com a parte lateral do carro numa senhora que estava junto a uma casa, projectando-a a uma distância de 19 metros. A senhora veio a falecer no local do acidente.

O condutor abandonou de imediato o local, sem providenciar o socorro da vítima nem saber o estado da mesma. Por isso, a seguradora queria exigir-lhe o que gastou. No entanto, a Relação recusou-lhe esse direito, com o argumento que os danos não resultaram do abandono do condutor, mas sim do acidente. “O acto de abandono da vítima de acidente de viação, embora seja reprovável no plano da ética e do direito criminal, não justifica um benefício para a seguradora, isentando-a da responsabilidade assumida pelo contrato de seguro, quanto aos danos que nada têm a ver com esse abandono”, sustentou a Relação.

O STJ aceitou reapreciar o caso dando razão à tese defendida pela seguradora. Não decidiu, contudo, se no caso concreto o condutor deveria pagar os mais de 98 mil euros, porque este tinha alegado que esse direito prescrevera e tal ainda não tinha sido analisado. O caso regressou, por isso, à Relação. Apesar disso, o STJ determinou de que modo a lei deve ser interpretada no futuro. O acórdão do STJ assume que este entendimento tem “uma natureza sancionatória, prosseguindo finalidades de prevenção geral, ao tornar especialmente onerosas para o causador do acidente as consequências do facto” podendo contribuir, “de forma relevante, para erradicar comportamentos rodoviários tidos por inadmissíveis”.      

Esse entendimento é contestado pelo juiz conselheiro Moreira Alves que votou vencido e defendeu, na declaração de voto, que “francamente desproporcionada e inadequada” esta visão já que gera “situações de grande injustiça, em proveito exclusivo da seguradora que fica dispensada das suas normais e típicas obrigações contratuais”.

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