A força da diplomacia

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Lembra-se do burburinho internacional que houve quando há dois anos, no funeral de Nelson Mandela, Barack Obama deu um aperto de mão ao Presidente cubano Raúl Castro?

Na altura, o gesto foi analisado à lupa e as especulações animaram a comunidade internacional. Era uma tentativa de reaproximação ou uma obrigação protocolar? Hoje sabemos que tinham razão os que viram no inesperado cumprimento a prova de que alguma coisa estava em movimento nos bastidores da diplomacia.

Quando Mandela morreu, as negociações secretas entre americanos e cubanos decorriam há seis meses. Duraram mais de um ano e meio. Nada se soube até Dezembro de 2014. A partir daí, numa vertiginosa aceleração do tempo, os passos públicos sucederam-se uns atrás dos outros. Pela primeira vez em 21 anos, Cuba foi convidada a participar na Cimeira das Américas; Obama encontrou-se no Panamá com Castro; os EUA eliminaram Cuba da lista de Estados que apoiam o terrorismo; a embaixadora americana na ONU visitou a delegação de Cuba…

É cedo para contar a história que nos trouxe até aqui. Há 70 anos que um secretário de Estado americano não pisava Havana – o último foi Edward Stettinius (alguém se lembra deste nome?) em 1945. Mas já se sabe alguma coisa. As negociações envolveram cedências em dossiers clássicos, como o dos famosos “Miami five”, mas também em dossiers improváveis, como o caso do esperma de um espião cubano congelado num deserto ao pé de Los Angeles. Por absurdo que pareça, há diplomatas americanos que acreditam que esse foi o movimento mágico que desbloqueou o processo de negociações, por injectar boa vontade e confiança.

Sobre o papel do Papa Francisco não parece haver dúvidas. Foi muito importante. Há uns meses, com uma diferença de dois minutos, Obama em Washington e Raúl Castro em Havana agradeceram o seu papel no processo. A autoridade moral do Papa faz com que seja ouvido. Ser latino-americano ajudou com certeza. Francisco enviou cartas, organizou reuniões, fez telefonemas, discutiu com Obama olhos nos olhos.

Obama diz que a abertura dos EUA a Cuba é “uma das mais importantes mudanças na política americana em 50 anos”. Não é exagero. Desde Janeiro de 1961, o ano em que Eisenhower cortou relações com Cuba – e o ano em que Obama nasceu – todos os presidentes americanos, democratas e republicanos sem excepção, exigiram a mudança de regime em Cuba como condição prévia a qualquer contacto bilateral. Obama chamou a isso uma “abordagem antiquada” e mudou a filosofia. O resultado está à vista. Como está também à vista a ausência de protagonismo da ONU.

Raúl Castro teve com certeza um papel relevante no processo, mas a parte difícil não era a sua. O caminho, claro, é ainda longo. O “novo capítulo” de que todos falam, o da “arte de conviver, de forma civilizada, com as nossas diferenças” (como diz Raúl Castro) é denso. Há muito para discutir. O embargo comercial (vai ser levantado?), Guantánamo (vai devolvida?), as expropriações de empresas e bens americanos (há compensações a pagar?), para não falar da “democracia genuína”, com eleições livres, liberdade de expressão, sem presos políticos e respeito pelos direitos humanos. O mais difícil no entanto está feito.

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