Desvalorização histórica do yuan recebida com cautela no Ocidente

EUA e Europa avaliam desvalorização de 1,9% do yuan como positiva mas entendem que Pequim deve continuar reformas.

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Perante a desaceleração da economia chinesa e face à descida para níveis históricos dos preços das matérias-primas, já havia interrogações sobre o futuro do yuan, com várias moedas da economia asiática a acusar efeitos, como a Malásia e a Coreia do Sul.

Nos últimos meses, a moeda chinesa permanecia relativamente estável face ao dólar, mas a questão teve resposta nesta terça-feira. O Banco Popular da China (BPC) desceu a taxa de referência do yuan a 1,9%, o que significa a maior desvalorização da moeda em mais de 20 anos.

O banco central chinês fixou a taxa diária do yuan face ao dólar em 6,2298, quando no dia anterior o preço imposto se localizava nos 6,1162. O ajuste da taxa de câmbio de quase 2% foi inesperado e o BPC já anunciou que não irá repetir a medida no futuro.

Estados Unidos e Comissão Europeia abordaram a questão de forma cautelosa. A Comissão Europeia classifica a desvalorização como “positiva” e vem afirmar que esta decisão "permite que a taxa diária possa reflectir melhor o equilíbrio entre oferta e procura no mercado de divisas".

Em declarações ao PÚBLICO, o gestor do banco BiG, Steven Santos interpreta que, com estas declarações, as instâncias europeias entendem que a moeda traduz de forma mais fidedigna a valorização do mercado chinês.

No mesmo sentido, numa reacção emitida através do Departamento do Tesouro, os Estados Unidos consideram que é demasiado cedo para avaliar as implicações da desvalorização do yuan, mas entende que “as mudanças anunciadas hoje constituem outro degrau em direcção a uma taxa de câmbio mais determinada pelo mercado”. No entanto, os norte-americanos avisam Pequim que “qualquer retrocesso nas reformas constituiria um desenvolvimento preocupante”.

A China utiliza um yuan fraco de forma a tornar as exportações baratas, sendo que as baixas taxas de câmbio tornam os produtos chineses mais competitivos. Isto apesar de alguns decisores políticos ocidentais instarem os chineses a valorizar a sua moeda, nomeadamente os Estados Unidos, que têm argumentado que os yuan se encontra subvalorizado face ao seu real valor de mercado.

Todos os dias o BPC estipula uma taxa cambial face ao dólar. Este modelo era rígido mas, desde 2005, as autoridades chinesas permitem que o yuan sofra uma apreciação ou depreciação diária face ao valor inicial, sendo que a flutuação permitida é de 2%. Desde então, com o crescimento da economia do gigante asiático, a moeda chinesa ganhou 30% face ao dólar em termos nominais.

Com a medida desta terça-feira, a China desvalorizou a moeda a 1,9% mas mantém o intervalo de flutuação. Esta intervenção está relacionada com a desaceleração da economia, cujo crescimento está alicerçado nas exportações.

No primeiro trimestre de 2015 a economia chinesa registou um crescimento de 7%, o ritmo mais lento em décadas. As perspectivas futuras não são mais animadoras, com a retracção do sector exportador anunciada no passado sábado. Dados relativos a Julho indicam que as exportações chinesas sofreram a maior quebra em quatro meses, ao recuar 8,3% contra os 1,5% previstos.

Um dos motivos que ajuda a explicar a medida do BPC é a desvalorização de moedas dos mercados emergentes asiáticos, que concorrem directamente com as exportações chinesas. A depreciação do yuan leva à descida do preço das exportações chinesas, mas aumenta o custo das importações, o que faz com que os chineses percam poder de compra. 

A meio da tarde a Reuters noticiava que os principais bancos centrais asiáticos, normalmente intervencionistas, estavam a evitar desvalorizar a sua moeda para recuperar face ao yuan. A agência dava conta que as autoridades do Japão, Coreia do Sul, Índia e Indonésia não viam razão para retaliar com medidas semelhantes, uma vez que, como a moeda chinesa se tem mantido estável face à depreciação das moedas vizinhas, o yuan ainda tem margem para desvalorizar.

Steven Santos considera que esta “desvalorização recorde” tem como objectivo “preservar o estatuto” da economia chinesa. No entanto, a medida acaba por configurar um “retrocesso na política chinesa”, que tinha apontado para uma maior aposta no consumo interno, por contraste com um menos peso das exportações na economia, avalia.

Em relação às relações comerciais com Portugal, o gestor entende que ainda é “cedo demais para perceber se vai haver um desinvestimento chinês no mercado português”, sendo que não se sentiram efeitos no imediato. Pequim vai passar a importar menos dos países vizinhos, que serão as economias mais afectadas com a perda de poder de compra chinês.

A descida inesperada do valor da moeda chinesa agitou o mercado bolsista um pouco por todo o mundo. Se nas principais praças bolsistas chinesas não se registou um sentido comum (Xangai fechou inalterada e Shenzen a perder ligeiramente), os principais índices internacionais terminaram a sessão em queda. Na generalidade das praças europeias o saldo foi negativo, numa sessão em que a Euronext perdeu 1,57%. A esta tendência não escapou o PSI-20, que encerrou a sessão a cair 1,82%. Nos Estados Unidos os principais índices negociavam igualmente no vermelho. 

A puxar as bolsas para baixo estão as empresas com forte presença no mercado chinês. Numa análise, a Bloomberg aponta os fabricantes de produtos de luxo com grande volume exportador para a China como sendo dos mais afectados pela desvalorização do yuan. A crescente classe média chinesa constitui um dos principais mercados deste tipo de produtos, mas um decréscimo no poder de compra faz com que tenha menos capacidade de comprar carros alemães, relógios suíços ou malas francesas.

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