Votação de mais reformas é novo teste a Tsipras e à revolta no Syriza

Para além de negociar terceiro resgate – em discussões que se antevêem duras –, o primeiro-ministro grego terá ainda de travar cisão no partido e na base da apoio parlamentar ao Governo.

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Mais de seis mil pessoas responderam a apelos do principal sindicato da função pública, o Adedy, e do PAME, afecto ao Partido Comunista Angelos Tzortzinis/AFP

Sem surpresas, mas com consequências ainda imprevisíveis para o Syriza, principal partido do Governo, o Parlamento de Atenas preparava-se para aprovar, na madrugada desta quinta-feira, o segundo pacote de medidas exigidas pelos credores para o início de negociações para um terceiro resgate financeiro à Grécia.

Uma semana depois de ter aprovado um primeiro conjunto de leis, a maioria dos deputados deveria repetir um voto favorável. Também se esperava que voltassem a ficar bem visíveis as divisões no Syriza, do primeiro-ministro, Alexis Tsipras.

Eram 22h30 (20h30 em Portugal continental) quando o debate teve início. A presidente do Parlamento, Zoe Konstantopoulou, lançou as discussões afirmando que “uma leitura sumária do que deveria ser votado [uma proposta com 900 páginas] levaria 32 horas”, a sublinhar que o acordo entre Tsipras e os credores obrigou os deputados a votar em tempo absolutamente recorde reformas importantes. Não se esperava nenhuma votação antes das 3h.

Tsipras começou por atacar os deputados que se opõem ao acordo, acusando-os de “se esconderam atrás da segurança” da sua assinatura.

Para além do apoio de parte da coligação governamental, Tsipras esperava o voto favorável de partidos europeístas da oposição – Nova Democracia, de direita; To Potami, do centro; Pasok, centro-esquerda. Há uma semana, os votos favoráveis foram 229. Um aliado de Tsipras ouvido pelo jornal The Guardian dizia esperar o apoio “de pelo menos 120 deputados do Syriza”.

Uma vez que esteja garantida a aprovação das reformas exigidas para o início de negociações, o primeiro-ministro terá novos desafios: a negociação que se antevê dura em Bruxelas e a tentativa de travar a fragmentação do partido e da sua base de apoio parlamentar.

Na rua, repetiram-se os protestos. Mais de seis mil pessoas responderam a apelos do principal sindicato da função pública, o Adedy, do PAME, afecto ao Partido Comunista, e de grupos anti-sistema para concentrações frente ao Parlamento, ao fim da tarde.

“O Governo já não nos ouve”, disseram à AFP Georges Kokkinavis e Katerina Sergidou, dois jovens membros da corrente mais à esquerda do Syriza que foram até à Praça Syntagma protestar contra “o pior memorando já visto”, como são chamados os empréstimos internacionais que a Grécia tem recebido desde 2010.

Uma vez mais, houve incidentes quando anarquistas lançaram cocktails Molotov contra as barricadas e a polícia – com a chegada destes grupos, o grosso da manifestação debandou.

Depois de, uma semana antes, terem aprovado medidas de óbvio agravamento da austeridade – designadamente o aumento do IVA – os deputados gregos tinham desta vez de votar uma reforma do Código de Justiça e medidas para reforçar a solidez da banca e assegurar os depósitos até 100.000 euros.

Logo de manhã, Tsipras reuniu-se com responsáveis da banca. “A prioridade neste momento é normalizar o sistema e, ao mesmo tempo, proteger os cidadãos com poucos rendimentos”, disse.

À tarde, a agência Bloomberg noticiou que o Banco Central Europeu aumentou em 900 milhões de euros a assistência de liquidez à banca grega. Foi a segunda vez que o fez, e em igual montante, desde o acordo de 13 de Julho entre o Governo de Atenas e os parceiros do euro. A assistência de liquidez de emergência ultrapassa agora os 90 mil milhões de euros.

Incerteza política

As consequências da divisão no Syriza são politicamente imprevisíveis. A persistência da dissidência pode tornar real o cenário de eleições antecipadas. Na votação da semana passada, a maioria governamental de 162 deputados – 149 do Syriza e 13 dos Gregos Independentes – sofreu a deserção de 39 deputados do partido líder. É improvável que noutras matérias o alinhamento da oposição europeísta se mantenha.

Tsipras, que após as “deserções” na votação do primeiro pacote remodelou o Governo, e mantêm uma popularidade alta, admitiu na terça-feira a convocação de um congresso partidário para Setembro, mas insistiu que a prioridade é concluir um acordo que alivie a asfixia financeira da Grécia.

O seu pragmatismo mereceu elogios de Jean-Claude Juncker, que, numa entrevista ao jornal belga Le Soir, disse que o líder grego assumiu uma posição de “estadista”, porque “se levasse o seu pensamento até ao limite, seria o fim da Grécia”.

Ao pronunciar-se sobre o entendimento entre os países da zona euro na madrugada de 13 de Julho, o presidente da Comissão Europeia disse mais do que isso: “Evitámos o pior, não por sermos excessivamente sábios mas porque tivemos medo. Foi o medo que permitiu o acordo. Depois do medo há sempre o alívio.”

As negociações para um terceiro resgate devem iniciar-se na sexta-feira. Tanto a Comissão como o Governo esperam poder conclui-las até 20 de Agosto – dia em que a Grécia tem de fazer um importante reembolso, de 3.190 milhões de euros, ao BCE. Em Setembro chega mais uma factura a Atenas – 1.500 milhões do Fundo Monetário Internacional. 

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