Mitsubishi pede perdão por usar prisioneiros da II Guerra Mundial como escravos

Reconhecimento após UNESCO classificar como património mundial minas e fábricas onde prisioneiros foram obrigados a trabalhar.

Foto
Os dois principais responsáveis da Mitsubishi apertam a mão a James Murphy, sobrevivente dos campos de prisioneiros japoneses ROBYN BECK/AFP

A construtora Mitsubishi Materials tornou-se na primeira grande empresa japonesa a pedir perdão por ter usado prisioneiros de guerra americanos como escravos durante a II Guerra Mundial, numa cerimónia especial em Los Angeles, no Museu da Tolerância Simon Wiesenthal. Fê-lo no mesmo mês em que a UNESCO reconheceu como património mundial os sítios onde se iniciou a revolução industrial japonesa, e onde foram forçados a trabalhar os prisioneiros de guerra, poucos dias antes do 70.º aniversário do lançamento das bombas atómicas americanas sobre Hiroxima e Nagasáqui.

“Hoje pedimos desculpa, com muitos remorsos, pelos trágicos acontecimentos do nosso passado”, afirmou o director executivo da Mitsubishi Materiais, Hirajy Kimura, na presença de James Murphy, de 94 anos, um dos poucos homens ainda vivos que passaram pelos campos de prisioneiros de guerra japoneses. Murphy foi obrigado a trabalhar na minha de cobre de Osarizawa, explorada pelo conglomerado Mitsubishi. “Há 70 anos que estamos à espera disto”, comentou.

O Japão manteve cerca de 36 mil pessoas como prisioneiros de guerra, distribuídos por sete campos principais e dezenas de secundários. Muitos eram coreanos ou chineses, ou de muitas outras nacionalidades que se viram envolvidas na II Guerra Mundial no Pacífico. Mas um grande número, cerca de 25 mil, eram soldados norte-americanos. Segundo a historiadora americana Linda Goetz Holmes, os prisioneiros foram requisitados ao exército japonês pelas grandes empresas nipónicas, que viram neles uma oportunidade de resolver o problema da falta de mão-de-obra causada pela guerra.

A Mitsubishi, que fabricava os aviões A6M (conhecidos como Zero) usados pelos pilotos kamizake japoneses, era uma dessas empresas, tal como a Mitsui, a Nippon, ou a Kawasaki, entre outras. Estas empresas criaram fábricas e minas que caracterizam a Revolução Industrial do Período Meiji (1850-1910) e que, por proposta do Japão, foram classificados como património mundial pela UNESCO a 7 de Julho, não sem alguma polémica.

 A Coreia do Sul contestava a proposta nipónica, porque mesmo antes da II Guerra, cerca de 60 mil coreanos foram forçados a trabalhar nestes complexos mineiros e industriais. A classificação pela UNESCO só foi possível porque a proposta japonesa se concentrou no período 1850-1910, anterior à ocupação da península da Coreia e, pela primeira vez, Tóquio fez uma declaração reconhecendo que um grande número de coreanos e cidadãos de outras nacionalidades “foram trazidos contra a sua vontade e forçados a trabalhar em condições muito duras na década de 1940 em alguns destes sítios”.

Isto não quer dizer que Tóquio esteja pronto a mudar a sua política quanto ao pagamento de indemnizações aos antigos trabalhadores forçados – há processos dos seus descendentes para forçar as empresas a fazê-lo. A historiadora Linda Goetz Holmes relata que o exército japonês cedeu os prisioneiros de guerra às empresas por dois ienes por dia por cada. Mas, como estes prisioneiros eram militares, as empresas teriam de lhes pagar também “o que ganha um soldado japonês, de acordo com o seu posto”.

 Ora isto nunca aconteceu, diz a historiadora. “Essa é a base dos processos dos ex-prisioneiros de guerra contra as empresas: ‘Disseram-vos para nos pagarem salários e nunca pagaram, devem-nos esse dinheiro, e com juros'”, explica Holmes, autora do livro Unjust Enrichment: How Japan's Companies Built Postwar Fortunes Using American POW (Enriquecimento Injusto: Como Empresas Japonesas Construíram Fortunas no Pós-Guerra Usando Prisioneiros de Guerra Americanos”.
 

   


Sugerir correcção
Comentar