Salgado acusa Banco de Portugal de ter "absoluta imunidade"

No documento em que responde ao processo de contra-ordenação aberto pelo regulador, o ex-presidente do Banco Espírito Santo diz que o BdP teve uma acção "negligente e parcial"

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Daniel Rocha

Ricardo Salgado acusa o Banco de Portugal (BdP) de ter uma "aura" que lhe dá uma "absoluta imunidade", independentemente dos "seus erros e pecados", o que permitiu ao supervisor conduzir o processo do BES "de forma negligente e parcial".

As acusações feitas pelo ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), constam de um documento com 432 páginas assinado pelo escritório de advogados Uría Menéndez-Proença de Carvalho, a que a Lusa teve acesso, e que aponta vários exemplos da "aura de imunidade" que "tem protegido o Banco de Portugal da responsabilização pelos seus próprios pecados". Trata-se da defesa de Ricardo Salgado no processo de contra-ordenação aberto pelo BdP.

"Que privilégio!", lê-se no documento, que reforça ainda que "essa 'aura' permite tudo ao Banco de Portugal". "O Dr. Ricardo Salgado não tem qualquer 'aura' para o proteger, mas tem a razão do seu lado", refere.

A palavra "aura" consta em mais de 15 pontos da defesa e é usada para justificar que a mesma "permitiu ao Banco de Portugal conduzir o presente processo de uma forma negligente e parcial".

Como exemplo, o documento avança que precisamente com base nessa aura, o BdP "esqueceu-se" de inquirir testemunhas essenciais para a compreensão do que está em causa, assim como "permitiu inverter o procedimento habitual neste tipo de processos de gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas".

Além disso, permitiu ainda ao supervisor "ir revelando a 'conta-gotas' para os meios de comunicação social umas alegadas conclusões de uma auditoria forense sobre o BES e os seus anteriores gestores", impedindo simultaneamente o conhecimento da opinião pública e até da "Casa da Democracia" de um relatório da auditora Boston Consulting Group (BCG) sobre a actuação da entidade administrativa neste mesmo caso.

"Essa 'aura' que permite ao Banco de Portugal travar um processo de reembolso dos clientes do papel comercial, que só no primeiro semestre de 2014, ainda com a gestão do Dr. Ricardo Salgado, tinha consubstanciado num reembolso de 1,5 mil milhões de euros de papel comercial da ESI e da Rioforte, permitindo com isso manter a confiança no BES", refere.

E são vários os casos em que a 'aura' do BdP é usada pela defesa de Ricardo Salgado para "justificar" ironicamente, entre eles, o facto de o Banco de Portugal não avisar a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) de que ia proceder à resolução "anunciada - e depois escondida" e "deixar investidores a comprar e a vender acções do BES que dias depois valeriam zero".

Ou ainda por ter permitido ao supervisor "instituir um esquema de 'ringfencing' [blindagem] 'cego', desconsiderando por completo que estava perante um conglomerado misto e que tal levaria, inevitavelmente, a uma morte por asfixia, progressiva, do GES [Grupo Espírito Santo] e do BES, conforme bem demonstra o Estudo da SaeR e do Professor Avelino de Jesus sobre o caso BES".

Essa "Aura", acrescenta, que "permitiu ao Banco de Portugal desconsiderar em absoluto" um estudo encomendado por si a uma entidade independente [PriceWaterHouseCoopers] e que concluía que o GES era viável" ou que permitiu ao banco central em 29 de Julho de 2014 "reafirmar a solvência do BES e, no mesmo dia, enviar a este Banco uma carta 10/432 a pedir a apresentação de medidas de recuperação, incluindo preparação de um aumento de capital em 48 horas", em vésperas da anunciada resolução aplicada ao BES e comunicada ao país a 3 de Agosto do ano passado.

"Bem sabemos que existe uma espécie de 'aura' que confere uma absoluta imunidade ao Banco de Portugal, independentemente de todos os seus erros e de todas as tempestades que ocorram no sistema financeiro português (e já foram muitas). Os maus são sempre os banqueiros e o bom é sempre o 'polícia'", frisa o documento.

A defesa do ex-presidente do BES faz um duro ataque ao Banco de Portugal, sublinhando que "o BES não faliu", "o BES foi obrigado a desaparecer pelo Banco de Portugal" e que "a morte do BES não resultou de qualquer acção ou omissão do Dr. Ricardo Salgado ou mesmo de qualquer dos visados neste processo".

"Essa é a mentira fácil que a entidade administrativa acusadora tem tentado passar para a opinião pública. Mas não é a única mentira, como demonstraremos ao longo da presente defesa e a história já começa a comprovar", lê-se ainda no documento

 

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