Futuro da Europa com agenda adiada?

Os desafios de médio prazo que a Europa enfrenta figuram na agenda dos líderes mas podem ficar reféns da Grécia.

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Se fosse possível colocar entre parenteses a crise grega, os líderes europeus teriam hoje em cima da mesa alguns temas decisivos para o futuro da Europa, incluindo a resolução do problema da Grécia numa perspectiva de longo prazo.

Rem Korteweg, do Centre for European Reform de Londres, chama-lhes “os quatro cavaleiros”, que representam quatro crises que ameaçam a União Europeia: o Grexit; a crise das migrações no Mediterrâneo; a nova agressividade da Rússia; e a ameaça britânica de abandonar a União. Cada um destes temas figura na agenda da cimeira, mais outro, igualmente importante, que diz respeito à governação da zona euro com as reformas necessárias para enfrentar a próxima crise sem repetir os reconhecidos erros cometidos nesta. Mas não se prevê que haja decisões relevantes em cada um deles, à excepção da Grécia, cujo fogo exige uma rápida intervenção dos bombeiros, antes que fique descontrolado.

Tal como estava previsto, o relatório dos cinco presidentes das instituições europeias (Comissão, BCE, Conselho Europeu, Eurogrupo e Parlamento Europeu) para a reforma da governação da zona euro no médio prazo está concluído e estará na mesa do Conselho Europeu. Jean-Claude Juncker coordenou os trabalhos. Os governos enviaram as suas contribuições. Os “cinco presidentes” não conseguiram fazer mais do que um bom relatório sobre o diagnóstico, mas deixaram para melhores dias as reformas mais ambiciosas para sustentar uma “genuína” união monetária, que implicam recursos comuns para partilhar riscos e responsabilidades que já não podem ser geridas apenas a nível nacional. Outra coisa não era de esperar em face da contribuição franco-alemã para o exercício, que já era pouco mais do que uma simples defesa do status quo. Não é a primeira vez que as instituições europeias tentam encontrar um “roadmap” para o futuro da União Económica e Monetária. Em 2012, no auge da crise do euro, o então presidente do Conselho Europeu, Herman von Rompuy, apresentou um relatório semelhante, que acabou por ser metido na gaveta.

Aquém das necessidades
O actual relatório fica-se pelo reforço das regras a que cada membro do euro se deve submeter em matéria de contas públicas e de reformas económicas; aumenta o controlo de Bruxelas sobre as decisões de política económica dos países-membros, em suma, mantém a tónica nas responsabilidades nacionais e afasta novos mecanismos de apoio financeiro necessários para enfrentar futuras crises e choque assimétricos que podem atingir apenas um ou alguns países de uma forma mais violenta. O relatório reconhece que estes apoios tornam-se necessários porque os países deixaram de ter a moeda como instrumento de resposta a crises. Mas a ideia de um orçamento para a zona euro não é contemplada, embora tenha sido proposto por vários governos, incluindo o nosso. Ou melhor, o relatório diz que esse orçamento será o “desenvolvimento natural” da UEM (as uniões monetárias maduras dispõem todas deste mecanismo) mas não aponta para um calendário e admite que exigiria uma reforma dos tratados. A mesma prudência para o terceiro pilar da União Bancária, a garantia única de depósitos, cujo financiamento não está ainda resolvido.

Bastante longe, portanto, da contribuição do Governo português, que defendia que a governação do euro avançasse mais depressa para uma verdadeira união orçamental e financeira. Na conferência de imprensa do final da cimeira extraordinária de segunda-feira, Pedro Passos Coelho expressou esse descontentamento: “Numa leitura rápida que fiz, [as propostas] ficam um pouco aquém do que são as necessidades” da UEM. O governo português tinha também defendido a necessidade de apoiar financeiramente os países mais afectados por crises futuras, nomeadamente o financiamento parcial dos subsídios de desemprego.

Reformas estruturais
António Vitorino, numa entrevista de antecipação do Conselho Europeu publicada no site da Fundação Notre Europe (a que preside) reconhece estes limites do relatório e admite que os líderes europeus, ocupados na sua missão de “bombeiros” da Grécia, vão adiar um debate que é fundamental. “É necessário ir mais longe no reforço do pilar económico da UEM, de forma a impedir que as divergências estruturais que subsistem na zona euro não aumentem ao ponto de colocar em perigo a própria união monetária”. A sua ideia é que são precisos instrumentos para garantir a convergência real entre as economias dos Estados-membros, que esta crise pôs brutalmente em causa.

O segundo pilar da boa governação da UEM passa pela melhoria da competitividade das economias do euro, através das célebres reformas estruturais. O relatório quer aumentar o controlo de Bruxelas sobre essas reformas, propõe a criação de uma “autoridade para a competitividade” independente, a nível nacional, que fiscalize as decisões dos governos à luz dos compromissos europeus. Um exemplo: verificar se os aumentos salariais estão em linha com o aumento de produtividade. Também neste domínio, não estão previstos apoios para ajudar a financiar os custos de curto prazo dessas reformas, por vezes muito elevados. Numa primeira avaliação, o Centre for European Reforme considera que o relatório “insiste nas reformas estruturais mas fica aquém do necessário em matéria de políticas anti-cíclicas”, sobretudo numa situação em que os governos nacionais perderam poder para as instituições europeias, nomeadamente na impossibilidade de desvalorização da moeda.

Segurança e defesa
A cimeira devia também avaliar os novos riscos de segurança que a Europa enfrenta nas suas fronteiras, tirando as devidas conclusões do que se passa a Leste, com a Rússia, e a Sul, com uma nova espécie de terrorismo. A Rússia deixou de ser um parceiro para passar a ser uma potencial ameaça à segurança europeia. A Alta representante para a Política Externa, Federica Mogherini, colocou como prioridade a revisão da Estratégia de Segurança Europeia adoptada em 2003, na sequência do 11 de Setembro. Na contribuição luso-espanhola para este debate (os dois países assinaram o mesmo documento enviado para Bruxelas) é sublinhada a urgência dessa revisão. Os dois países lembram que a indústria de armamento é um campo fundamental para o desenvolvimento tecnológico e de inovação. A novidade está em que a contribuição de Lisboa e Madrid defende que, para aumentar o investimento em novas capacidades no domínio da defesa, “devemos considerar opções para isentar esses investimentos dos limites estritos impostos aos nossos défices públicos nacionais”.

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