O palacete, a feira e as senhas de presença (ao som de António Zambujo)

Assembleia Municipal do Porto aprovou a venda em hasta pública do Palacete Pinto Leite, pelo valor base de 1,5 milhões de euros.

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A proposta para que a Feira da Vandoma fique nas Fontainhas foi rejeitada Pedro Granadeiro/NFactos

A Assembleia Municipal (AM) do Porto da passada segunda-feira foi atípica, em vários sentidos. Mudou de sítio para abafar os sons de um concerto que continuou, ainda assim, a fazer-se ouvir entre as intervenções dos deputados, e entrou na ordem do dia apenas à meia-noite, a hora a que devia terminar. O Bloco de Esquerda (BE) teve uma recomendação aprovada e um deputado suplente do movimento de Rui Moreira conseguiu indignar todas as forças políticas. No meio de tudo isto, a Feira da Vandoma continua numa indefinição e o Palacete Pinto Leite vai mesmo a hasta pública.

A sala da AM, inaugurada no final do último mandato de Rui Rio e que nunca mais foi utilizada para as sessões desde então, voltou a receber os deputados municipais na noite de segunda-feira. Situada no quinto piso dos Paços do Concelho, em vez do 3.º da Sala de Sessões, esperava-se que, lá em cima, a música de António Zambujo, a actuar na Avenida dos Aliados, não abafasse as intervenções, mas a música lá se foi ouvindo, como a banda sonora de fundo da AM.

Foi ao som dessa banda sonora que foi aprovada, por maioria, e com os votos contra da CDU e do BE, a colocação em hasta pública do Palacete Pinto Leite, pelo valor base de 1,550 milhões de euros – menos um milhão do que o valor pelo qual o edifício foi avaliado, o que é justificado pela reserva de ele ter de se destinar, obrigatoriamente, a fins culturais.

As maiores críticas partiram de Honório Novo, da CDU, que perguntou ao presidente da Câmara do Porto o que o levou “a dar uma cambalhota de 180º”, a “mudar tão depressa de opinião em tão pouco tempo”, depois na última AM o autarca ter afirmado que tinha “chegado o tempo de voltar a adquirir parcelas e edifícios”, em vez de os vender. Rui Moreira garantiu que “não houve mudança de opinião”, esclarecendo que o palacete já estava incluído na lista de imóveis a alienar nos últimos orçamentos do município.

A decisão foi tomada já depois da meia-noite, com a sessão a sofrer um arranque atribulado, fruto da intervenção do deputado Bernardo Brito e Ferro, um membro suplente da lista Rui Moreira: Porto, O Nosso Partido, que pedira a palavra ao presidente da mesa, Miguel Pereira Leite, para “um esclarecimento”. À medida que Brito e Ferro falava, os deputados municipais começaram a agitar-se nas cadeiras, já que este lamentou que, no final de Maio, numa segunda-feira em que os deputados tinham sido convocados para duas sessões no mesmo dia – uma ordinária e outra extraordinária –, a primeira tenha começado com atraso, optando a mesa e os deputados por discutirem apenas o primeiro dos três pontos agendados para a segunda reunião, devido ao adiantado da hora. “Pareceu-me que a segunda reunião apenas foi convocada para que recebêssemos a senha de presença”, disse o deputado, acrescentando: “Não creio que isto seja sério e responsável”. As senhas de presença têm um valor de cerca de 85 euros por reunião.

A resposta foi uma crítica unânime, de todas as forças políticas e o incómodo claro na bancada de Rui Moreira, com André Noronha, o centrista que lidera a bancada, a dizer que não concordava com as palavras do deputado suplente, mas a salientar “a democracia” que permitia que ele se expressasse como entendesse.

Mais duro foi Pereira Leite, que acusou o deputado de ter engando a mesa. “O senhor disse que a sua intervenção estava sufragada pela sua bancada. Não estou certo se estava ou não, pelo menos isso não foi aqui referido”, disse. O próprio Rui Moreira acabou por intervir, referindo que no dia em questão, em que decorrera a estreia do último filme de Manoel de Oliveira no Rivoli, pedira à vice-presidente, Guilhermina Rego, para não ir ao teatro, para poder estar a horas na sessão da AM, em sua substituição, o que garantiu, acontecera.

Eram quase 22h quando terminou o debate sobre a intervenção de Brito e Ferro e o BE apresentou a primeira moção da noite, propondo que o executivo liderado por Rui Moreira “estude a implementação na cidade do Porto dum processo de Orçamento Participativo” e para que a AM constituísse uma comissão de acompanhamento da implementação desse orçamento. Com apenas dois deputados eleitos, o BE não consegue ver muitas das suas propostas aprovadas, mas desta vez, a maioria dos deputados esteve mesmo do lado dos bloquistas, apesar do voto contra de 16 deputados, presumivelmente dos independentes de Moreira. Com 20 votos a favor e 7 abstenções, a proposta foi aprovada.

IMI e Vandoma

Sem aprovação ficaram as duas recomendações apresentadas pelo PSD e pela coligação Porto Forte. Luís Artur tentou convencer os deputados a aprovar uma redução do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), dos actuais 0,36% para 0,33%, bem como da taxa base de forma proporcional ao número de dependentes das famílias. As contas do social-democrata apontavam para que a aplicação destas propostas custasse “um ou dois milhões” à câmara, facilmente suportáveis pela previsão de aumento da receita do IMI nos próximos anos.

Mas Rui Moreira e Guilhermina Rego fizeram outras contas, dizendo que a medida custaria aos cofres camarários 4,8 milhões de euros. Luís Artur foi ainda acusado de eleitoralismo, por causa da aproximação das legislativas, e a proposta foi chumbada por maioria, depois de ele aceitar a proposta da vice-presidente da câmara para fazerem novas contas em conjunto.

Também a proposta do PSD para que a câmara não retire a Feira da Vandoma das zona das Fontainhas acabou por ser rejeitada, por 33 votos contra, 10 a favor e duas abstenções. A discussão também teve um momento algo insólito, quando a deputada Mariana Macedo referiu que, em 2006, os problemas da feira tinham sido resolvidos após um conjunto de reuniões com “autarcas e feirantes”, promovido pela câmara, e o vereador da Fiscalização, Manuel Sampaio Pimentel, garantiu que, nessa altura, tinha o pelouro das feiras e não promovera qualquer reunião. “O que ouvi aqui foi uma ficção”, disse.

Sampaio Pimentel já não ouviu - porque entretanto abandonara a sala com o resto do executivo - Manuel Martins, em representação dos comerciantes da Vandoma, pedir, no período dedicado ao público, que não retirassem a feira das Fontainhas. “Estou desiludido com isto”, disse. “Não há um morador que se possa queixar da feira, os clandestinos é que já quase chegam à Batalha. Estamos numa zona típica, turística do Porto, os emigrantes e os estrangeiros vão lá fotografar-nos”, disse.

António Zambujo já se calara há muito e a AM não teve resposta para Manuel Martins, até porque ainda não encerrou o período de discussão pública sobre a proposta da autarquia para reorganizar as feiras da cidade, em que está previsto que a Vandoma seja transferida para a Alameda de Cartes.  

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