Umas eleições ao contrário com a Frente Nacional à espreita

Com a reforma territorial por terminar, a escolha dos representantes para os departamentos franceses tem muitas novidades e incógnitas.

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Marine Le Pen Eric Gaillard/REUTERS

Nem os franceses entendem bem o que são estas novas eleições departamentais. Este domingo é a primeira vez que se realizam – até agora, para elegerem os órgãos de governação dos departamentos, os franceses votavam nas eleições cantonais, que tomavam o nome dos círculos eleitorais pelos quais elegiam os seus representantes. Mas, com a reforma eleitoral em curso, não foi só o nome que mudou: os próprios cantões foram redimensionados, as competências estão a ser redistribuídas e nem sequer é certo que no futuro próximo continuem a existir departamentos.

O crescimento da Frente Nacional (FN) e a implosão do Partido Socialista, a que se junta ainda uma nova forma de escrutínio, deverá ainda fazer com que se inverta a lógica normal das eleições em duas voltas, analisa o jornalista Gérard Courtois, do Le Monde: em vez de se escolher na primeira volta e na segunda eliminar, nestas eleições “vai-se eliminar na primeira volta, e na segunda escolher.” A UMP de Nicolas Sarkozy – o centro-direita tradicional – e a FN de Marine Le Pen devem ser os mais beneficiados.

Mas não é de admirar uma abstenção superior a 55%, ainda que em causa esteja um nível da administração territorial intermédio com importância para a vida quotidiana: é aos departamentos que cabe a gestão dos apoios sociais – como o rendimento social de inserção e a acção social em geral, incluindo o apoio à infância, o turismo, a gestão das bibliotecas e património arquitectónico e museográfico, bem como as estradas e as escolas.

Estas eleições, no entanto, podem trazer já uma reorganização de forças importante, ainda que a reforma territorial esteja por terminar. Desde logo, porque são as primeiras que pretendem garantir a paridade absoluta: em cada cantão (círculo eleitoral), as listas partidárias são compostas por um homem e uma mulher. O objectivo é feminizar o nível da administração onde mais imperavam os homens: nas últimas eleições, em 2011, apenas foram eleitas 13,8% de mulheres para os conselhos gerais dos departamentos.

Factor ainda mais importante para os resultados finais: para passar à segunda volta, um par de candidatos tem de ter tido um número de votos equivalente a pelo menos 12,5% dos eleitores inscritos no cantão em que concorre. Isto terá um impacto especialmente forte à esquerda, que se apresenta desunida, com múltiplas listas, que mais dificuldades terão em conseguir os 12,5%. Daí as perspectivas arrasadoras de que muitos candidatos PS – e também das outras esquerdas – serão logo eliminados na primeira volta.

E se a FN conquistar de facto um ou mais departamentos, o que devemos esperar? O partido tem um programa único, igual para todos os departamentos, tal como para os municípios que obteve no ano passado, dizem os analistas: cortes orçamentais, sobretudo no sector social com a caça à “fraude” nas prestações sociais, a aplicação da política de “preferência nacional”, ou seja, dar prioridade aos franceses “de origem” e não aos que têm raízes na imigração – embora a lei francesa não os distinga – nas creches, nas escolas e outras instituições, por exemplo.

Linhas políticas como a preferência nacional são inconstitucionais, explica o sociólogo Sylvain Crépon, especialista em FN. Por isso, é de esperar uma versão light destas ideias, até porque os departamentos não têm grande autonomia para fazer menos do que o previsto pela lei. “Só aplicamos os regulamentos de forma automática”, afirmou ao Libération o conselheiro geral socialista de Haute-Garonne Georges Méric. Mas há escolhas políticas, opções a tomar na redistribuição dos meios atribuídos pelo Estado. As diferenças estarão aí.

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