ANMP só está disponível para um processo de delegação de competências idóneo

No Parlamento, ministro Poiares Maduro assume que transferências de competências para as autarquias é uma "prioridade". Oposição fala de "embuste", e diz que se “trata de uma transferência curta, limitada e arbitrária”.

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O plano de segurança de barragens “tem de ser revisto” e “reexaminado”, diz Manuel Machado adriano miranda

Na recta final da legislatura, o Governo insiste em avançar com uma descentralização de competências para os municípios que a oposição vê como um "embuste", uma forma encapotada de privatizar funções sociais do Estado e uma via para o executivo se desresponsabilizar. Já a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) diz que só está interessada em discutir “um processo idóneo de delegação de competências", acusando o modelo definido pelo Governo, de ser "efémero". "Não é duradouro e cria problemas graves”, acrescenta o presidente da ANMP, Manuel Machado.

Ontem, no debate parlamentar sobre a descentralização, o ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, defendeu o projecto governamental de transferência de competências para as autarquias como uma "prioridade" e apontou o dedo ao PS, acusando-o de se manifestar contra por estar em “modo eleições”. Logo na abertura do debate, Poiares Maduro sustentou que “Portugal é um dos países mais centralizados da Europa” e que isso tem consequências negativas na qualidade dos serviços e no menor respeito pelas políticas locais.

Já foi publicado (e está em vigor) o decreto que regula o regime de delegação de competências no domínio das funções sociais para os municípios e para as entidades intermunicipais através de contratos interadministrativos. Trata-se de um processo que se pretende “ambicioso”, mas que o Governo realiza de “forma prudente”. “Não é feito através de uma transferência universal a todos os municípios, mas através contratos”, explicou.

À mesma hora que decorria o debate na Assembleia da República, o socialista Manuel Machado, explicava aos microfones da TSF as razões pelas quais a ANMP rejeita este modelo, argumentando que este não é compaginável com o garrote financeiro que este mesmo Governo impôs aos municípios, quer através da Lei do Orçamento do Estado quer pela via da Lei dos Compromissos. Afirmando que se há áreas, como a educação, por exemplo, nas quais já existe alguma experiência das câmaras – “actualmente estão em curso cerca de uma centena de contratos-piloto com as autarquias “–, outras há, como é o caso da saúde, que “são absolutamente novas e onde não há nenhuma capacidade de intervenção dos municípios sem recrutar pessoal e meios próprios para gerir o sector”. Sucede que os municípios “não podem contratar pessoas”, por causa dos "limites económicos que lhes são imputados" – recordou Manuel Machado – nem dispõem de meios próprios para resolver esse problema.

O também presidente da Câmara de Coimbra entende que o problema só se resolve “com uma profunda reforma legislativa, de todas as leis autárquicas mais recentes, desde o regime jurídico até aos compromissos financeiros". E defende que, se se analisar de "forma idónea, de forma responsável, esta delegação de competências" preconizada pelo executivo, concluir-se-á que o que está aqui em causa "é um contrato interadministrativo de natureza efémera, que termina quando termina o mandato do Governo”.

O presidente da ANMP acusa ainda o Governo de não fornecer estudos e outros “documentos de sustentação à associação de municípios", relativos ao modelo de descentralização de competências. “O que pretendemos deixar claro é que temos interesse, estamos motivados, estamos preparados para encarar um processo idóneo de descentralização, que é totalmente diferente da mera delegação de competências em que fica sempre dependente dos serviços e das determinação da administração central o que esta delega a seu belo prazer”.

Pedindo “clarificação de procedimentos”, o líder da ANMP  afirma que, no decurso das negociações, “em nenhuma circunstância” o Governo facultou qualquer informação de suporte, que permitisse à associação de municípios pronunciar-se. “Estamos perante um conjunto de questões de enorme importância, sem que haja estudos que a lei determina [que existam] e que os compromissos assumidos determinam que se façam”.

As críticas da ANMP voltariam a ouvir-se ao princípio da tarde, em Coimbra. Numa conferência de imprensa, Manuel Machado alertou o Governo para os perigos de legislar à pressa. "Faço um apelo de quase alerta: este processo acelerado de legislar por cima de toda a folha pode ser perigoso, pode criar dano irreparável à vida democrática, à saúde democrática e à educação democrática", afirmou o autarca numa alusão à legislação produzida recentemente pelo Governo sobre a transferência de competências da administração central para as autarquias, particularmente nas áreas da educação e saúde, cujo diploma (decreto-lei 30 2015) foi publicado na quinta-feira.  

"Devia ser uma lei-quadro"
No Parlamento, Luís Fazenda, do BE, fazia por essa altura críticas semelhantes. ”É uma transferência curta, limitada e arbitrária, tem um quadro geral de critérios, mas o que será para valer estará nos contratos que serão diferentes de concelho para concelho. Devia ser uma lei-quadro”, afirmou o bloquista, apontando como exemplo negativo a experiência das escolas. “Na educação, essa propalada descentralização é um embuste, ela está a ser feita à custa da autonomia das escolas, está a ser retirada às escolas para ser dada às autarquias, mais longe dos cidadãos”, precisou.

A deputada comunista Rita Rato fez outra crítica ao processo. “O que se discute aqui hoje [ontem] não é um regime de descentralização. É um passo no sentido de privatização das funções sociais do Estado, sobretudo na Segurança Social”, disse, acusando o Governo de enviar para a requalificação funcionários das comissões de protecção de menores.

Por seu lado, Ramos Preto, do PS, questionou o ministro Poiares Maduro sobre os critérios que regeram a escolha dos municípios em matéria de contratos de descentralização, lembrou o parecer negativo da Associação Nacional de Municípios Portugueses e exigiu a apresentação de estudos que fundamentem a solução adoptada pelo Governo. Já no final do debate, o socialista Mota Andrade acusou o Governo de um “falhanço absoluto” no domínio da descentralização. Defendendo a transferência de competências com um “equilíbrio eficiente na articulação de poderes, do ponto de vista da igualdade e garantia de não discriminação”, Mota Andrade sugeriu o modelo seguido na capital por António Costa, o secretário-geral do PS: “Não teria andado mal o Governo se tivesse ido colher inspiração no que fizemos em Lisboa”. A proposta socialista sobre descentralização foi materializada num projecto de resolução que foi anunciado durante o debate.

Na resposta às bancadas da oposição, Poiares Maduro rejeitou a acusação de estar a promover a privatização das funções sociais do Estado, lembrou que a adesão dos municípios é voluntária e encontrou um denominador comum nas intervenções das bancadas mais à esquerda. “Confirmam a sua matriz centralista, é uma consequência da sua posição ideológica”, contra-atacou o governante.

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