Atenas e Berlim sobem o tom entre esperanças de compromisso

A véspera da reunião do Eurogrupo começou com optimismo com o plano grego e terminou com declarações fortes de Schäuble, Varoufakis e Tsipras.

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Nilos Kotzias, ministro dos Negócios Estrangeiros grego, com o seu homólogo em Berlim ODD ANDERSEN/AFP

Os ministros das Finanças da zona euro reúnem-se esta quarta-feira para ouvir uma proposta grega que incluirá aceitar 70% das reformas do acordo com a troika e conseguir financiamento através da emissão de bilhetes de tesouro, da devolução de lucros de obrigações gregas e de um limite mais baixo para o excedente primário (tirando a dívida), segundo fontes de Atenas.

Enquanto de Bruxelas veio uma mensagem de “contactos construtivos” entre o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, esta foi temperada pela conclusão de que os contactos intensos entre os implicados “não foram, até agora, muito frutuosos”.

Contrariando a expectativa geral de que seria possível um acordo, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, disse, após um encontro do G20, que se a Grécia não aceitar a tranche final do actual programa, “acabou”. Os credores “não vão negociar nada novo”, garantiu.

Do lado de Atenas, o ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, também subiu o tom. “Se não estamos a sequer considerar um confronto, não estamos a negociar”, disse na discussão parlamentar antes de um voto de confiança ao Governo, citado pela agência Reuters. “Não estamos a procurar um confronto e faremos tudo para o evitar. Mas não estamos a negociar se o excluirmos.”

Os restantes membros da zona euro querem que a Grécia aceite uma extensão do programa da troika, algo que o novo executivo tem recusado. A BBC noticiava que a comissão preparava uma extensão de seis meses, algo que já desmentido por Schäuble.

Nesta terça-feira à noite, Tsipras repetiu as palavras desafiadoras, antes de o seu Governo receber o voto de confiança, com 162 votos a favor, precisamente o número de deputados do Syriza e dos Gregos Independentes, os dois partidos que suportam a coligação. "Schäuble pode pedir de que maneira for que nós não pediremos a extensão do plano de ajuda”, garantiu Tsipras, acusando a Alemanha de estar a exigir “coisas irracionais”.

Cada vez mais o encontro desta quarta-feira é visto como “uma primeira troca de pontos de vista com o novo Governo grego”, segundo a porta-voz da comissão Mina Andreeva, e não é esperado um acordo. Na segunda-feira há nova reunião do Eurogrupo.

Ainda assim, e antes do comentário de Schäuble, a disposição parecia mais optimista, pelo menos do lado dos investidores, com a bolsa de Atenas a fechar em alta (7,98%) ao contrário do que tem acontecido nos últimos dias.

Na Grécia, a estratégia de negociação do novo Governo tem recebido apoio até de quem votou na oposição (70% dos inquiridos, 40% dos eleitores da Nova Democracia), embora um estilo de confronto faça franzir sobrolhos em Bruxelas. “O melhor modo de conseguir um acordo com a União Europeia é ir conseguindo alianças em encontros atrás de portas fechadas e depois tentar chegar a consensos”, disse um antigo diplomata à Reuters. “Confrontos ruidosos normalmente levam a resistência e isolamento.”

Yanis Varoufakis tem testado estes limites com declarações sobre a sustentabilidade da dívida italiana ou da fragilidade do euro (que não resistiria a uma saída da Grécia, disse). Na Alemanha, a hipótese de uma saída da Grécia da zona euro é cada vez mais considerada: uma sondagem indicava que um em cada dois alemães é a favor da Gr-exit.

Piorando ainda a este nível, o ministro da Defesa Panos Kammenos, do partido Gregos Independentes (Anel), veio dizer que se a zona euro se mostrar inflexível a Grécia poderá ter de recorrer ao Plano B. “O plano B é ir buscar verbas a outros países, seja no melhor cenário os Estados Unidos, poderá ser a Rússia, poderá ser a China, ou outros países”, disse.

A questão levou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Nilos Kotzias (que tem uma visita a Moscovo no ar, ainda não confirmada) a defender em Berlim que a Europa continua a ser o parceiro “preferido”.

Enquanto isso, os Estados Unidos têm falado mais sobre a Grécia e a zona euro com declarações que têm sido descritas como recados à Alemanha para que admita mais investimento para permitir a recuperação da procura interna. As declarações vieram do Presidente, Barack Obama, que defendeu a necessidade de crescimento da economia do país, e do secretário de Estado do Tesouro, Jack Lew, a dizer que “toda a gente tem de baixar um pouco a retórica”, que “não deve haver conversa casual sobre uma resolução que deixaria a Grécia ou a União Europeia numa situação insustentável”, e que a Europa precisa de uma política fiscal um pouco diferente porque há uma queda na procura.

Extensão ou programa temporário
Em termos concretos, a proposta que o ministro grego apresentará – que o colunista do Financial Times Wolfgang Münchau considera “inteligente” – baseia-se em traços largos em quatro pilares. O primeiro é a aceitação dos 70% das disposições da troika, que permite considerar o acordo uma “extensão” e manter a afirmação da chanceler alemã, Angela Merkel, de que o memorando é a base para qualquer entendimento. O mesmo foi sublinhado pelo comissário europeu da Economia Pierre Moscovici: "A Grécia sabe que o programa é a nossa referência. Temos de ver que tipo de soluções conseguimos dentro deste quadro, não fora dele.”

O segundo pilar da proposta grega é o excedente orçamental primário (tirando o pagamento da dívida) descer para 1,5% dos actuais 3%, que Atenas considera insustentáveis. Este ponto beneficiará eventualmente, dizem analistas, de uma pressão dos EUA para mais espaço para crescer.

O terceiro é algum tipo de discussão sobre dívida – como a indexação ao crescimento do PIB, acordos bilaterais para troca de dívida ou outras soluções. Finalmente, no quarto pilar, o Governo quer reverter algumas medidas de austeridade que causaram o que considera ser uma situação de crise humanitária, propondo refeições e electricidade grátis para quem não pode pagar, cuidados de saúde para quem não tem seguro ou emprego, e outras medidas que estima custarem 1,86 mil milhões de euros.  

Em termos de percepção, fontes consideram que pode haver um acordo que permita aos gregos falem de programa temporário e os restantes parceiros de extensão técnica. Este programa vigoraria até Setembro, permitindo ultrapassar o dia 28 de Fevereiro quando termina o actual programa, até que fosse discutido um programa abrangente, cujas bases seriam já lançadas.

“Os políticos gregos estão a caminhar numa corda bamba entre gritar uma condenação ao anterior memorando suficientemente alto para que os seus eleitores ouçam mas também sussurrar promessas aos burocratas para conseguir um acordo”, resume o analista da CMC Markets Japes Lawer em declarações ao jornal britânico The Guardian.

A jornalista do Wall Street Journal Matina Stevis fazia um ponto da situação no Twitter: “As diferenças económicas são ultrapassáveis [mas] politicamente difícil de engolir.” E avisa: “o custo do falhanço é exorbitante para todos.”

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