Troika tinha conhecimento da exposição ao GES, diz ex-directora do BES

Isabel Almeida afirma que decisões passavam por Morais Pires e Ricardo Salgado.

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Isabel Almeida, ex-directora do BES Enric Vives-Rubio

Isabel Almeida, ex-directora do ex-Banco Espírito Santo, está nesta terça-feira a responder às questões dos deputados, no quadro da comissão de inquérito ao colapso do Grupo Espírito Santo, onde garantiu que as decisões passavam por Amílcar Morais Pires e Ricardo Salgado e que "era impossível a qualquer funcionário saber que as contas eram adulteradas".

No início da audição, Isabel Almeida leu uma curta intervenção, em que explicou que reportava "em exclusivo" ao ex-CFO do BES, Amilcar Morais Pires, de quem era colaboradora directa, adiantando que nunca tomou nenhuma decisão por sua iniciativa, mas sim por orientação do administrador com o pelouro do departamento financeiro.

"Todas as decisões" do departamento financeiro "que não se enquadravam" no que estava definido, eram submetidas ao administrador com o pelouro [Amílcar Morais Pires] "que a tomava de forma autónoma" ou em articulação com o CEO, Ricardo Salgado, e com a Comissão Executiva. "Todas as decisões, sem excepção, não foram tomadas por mim, nem podiam ser".

"Acreditei até ao fundo na viabilidade e sustentabilidade" do BES pelo que "eu e a minha equipa" lutámos até ao fim pela sua sobrevivência, disse ainda Isabel Almeida, que exerceu os seus direitos de voto no aumento de capital [de Junho de 2014] e que perdeu, tal como os outros accionistas, tudo o que tinha investido e "que representava parte substancial das poupanças de uma vida".

O presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, comunicou no início da sessão que Isabel Almeida irá falar de todos os temas, com as únicas limitações impostas pelo facto de ser arguida num processo contra-ordenacional movido pelo Banco de Portugal (BdP) e num processo-crime. Por este facto está impedida de abordar matérias sobre a Eurofin e sobre a colocação de obrigações de toda a natureza.

Isabel Almeida confirmou que em Maio o comité de partes relacionadas deu instruções para se reduzir a exposição do BES à ESFG (Espírito Santo Financial Group), que rondava os 600 milhões de euros., mas que perante a dúvida sobre como proceder a essa redução, tendo em conta o quadro de dificuldades que existia, a exposição subiu até 733 milhões com o reforço dos colaterais. A antiga directora do BES acredita que esta operação "seria do conhecimento do Banco de Portugal". 

A dada altura, no contexto de descontrolo, o BES adiantava financiamentos às sociedades do GES, que depois se apropriavam das verbas. Para Isabel Almeida há três movimentos que não respeitaram as orientações do BdP: uma operação que "saiu fora do controlo" relacionada com os 72 milhões do Nomura [empréstimo do Nomura ao ESFG], a que se somam mais duas irregularidades, uma de 20 milhões de fundos retidos pelo Banque Privée e 28 milhões de euros que ficaram na Esfil– Espírito Santo Financière, mas cujo destino seria a Rioforte.

Sobre se tinha ou não liberdade de actuação, Isabel Almeida adiantou que "a decisão final era do administrador": "Eu tive sempre a possibilidade" de emitir opiniões e de dar "argumentos" e, caso "não concordasse" com as soluções, de dar "alternativas", explicou, admitindo que que o departamento que chefiou deu ao BES anualmente 300 milhões de euros em operações de mercado e nenhuma delas "era de risco".

"Era completamente impossível a qualquer funcionário do BES, agora Novo Banco, saber que as contas" das sociedades [ESI, Rioforte, ESFG] que emitiam papel comercial colocado aos balcões de retalho "eram adulteradas", defende Isabel Almeida, que adianta que ela própria desconhecia esse facto. "A ESI era uma sociedade" aparentemente sem problemas, salienta a antiga directora financeira do BES. E garante ainda "que nunca foi feita pressão" junto dos funcionários do banco para que vendessem papel comercial das sociedades aos clientes, pois "o produto era atractivo" e a procura superior à oferta. "Os juros dos depósitos a prazo estavam já a baixar", recorda.

A mesma ex-directora do BES evoca que pediu a Ricardo Salgado e a Morais Pires que fossem explicar aos novos gestores do banco da equipa de Vítor Bento "toda a temática das obrigações" [mobilizadas através da Eurofin], mas ambos "recusaram”: “E mais não posso dizer.”

Isabel Almeida refere a ocultação de passivo da ESI e a actividade em Angola, além da retirada da garantia estatal angolana ao BESA, como factores que levaram ao colapso daquele que chegou a ser o segundo maior banco privado.

E defende que "não houve interacção entre o regulador e o banco", como aconteceu noutros países, para impedir o descalabro. "Não é exequível fazer um aumento de capital em 48 horas, não é possível substituir um financiamento de curto prazo" da dimensão do que existia no BES "numa semana", defendeu a antiga director financeira do BES, para quem "nada do que o BdP pediu ao BES” para impedir a falência "era exequível".  "Como é que se pode pedir a um grupo com dívida de 6000 milhões de euros de curto prazo que resolva o financiamento em pouco tempo?"

A deputada do CDS/PP Cecília Meireles perguntou a Isabel Almeida se o BES ponderou recorrer à linha de recapitalização pública. A ex-gestora respondeu que "não podia deixar de o ter feito, pelo menos em termos teóricos”: “Mas é minha convicção que o BES nunca esteve próximo" de ter de recorrer a ajuda estatal.

"Ao contrário dos outros bancos", que pediram apoio à linha da troika – alegou Isabel Almeida –, "o BES teve a capacidade de gerir o risco" e na altura em que eclodiu a crise "tinha uma dimensão relativamente pequena de dívida pública e uma menos valia potencial na carteira de 120 milhões", pelo que os seus rácios de capital eram os adequados. A antiga directora do BES nota que o banco teve de fazer um aumento de capital em 2012 e teve a flexibilidade para o fazer junto de investidores privados. "Conseguiu ter fontes de receitas para compensar os custos", embora admita que o BES tivesse muitos problemas noutras áreas e ter sido forçado a constituir provisões. Isabel Almeida admite ainda que os seus principais accionistas tinham dificuldades e tiveram de se endividar para acorrer aos aumentos de capital. 

O caso PT
A antiga directora do BES salientou ainda que o departamento financeiro e de mercado (DFM) diz que nunca interveio em qualquer processo de negociação de dívida do GES, em particular o da Rioforte à PT. E que a aplicação de 897 milhões em papel comercial da Rioforte "foi decidida e negociada pelos” seus “superiores hierárquicos, Amílcar Morais Pires e Ricardo Salgado". Isabel Almeida salienta que recebia as instruções escritas que chegavam da PT, enquanto cliente, e que foi por essa via que contactou a Rioforte, para tratar da documentação relevante e necessária a concretizar a operação.

"Nunca falei com o presidente da Rioforte, João Pena, mas sim com o CFO da Rioforte", uma sociedade que " em Março apresenta contas limpas", ainda que com ênfases, "mas sem reservas". Isabel Almeida explica que lhe foi dito pelo GES e por Morais Pires que a aplicação da PT na Rioforte era a um ano, mas que essa questão foi logo clarificada pela PT que informou que o prazo era a três meses. E que foi neste contexto que o seu departamento "recebeu as instruções e a informação sobre as taxas e prazos da subscrição do papel comercial",

Sobre a colocação de dívida de sociedades do GES, como a ESI e a Rioforte, junto de clientes de retalho e institucionais do BES, a antiga directora, que revelou à antiga Comissão Executiva o esquema Eurofin, defende "que o papel comercial era um produto muito competitivo", tendo os clientes do banco aderido, o que permitiu colocar "quantias muito significativas". Isabel Almeida assegura que não se recorda de ter sofrido pressões. 

Isabel Almeida confirmou ainda que, para além da PT, havia "entidades venezuelanas" com a mesma dimensão de exposição ao GES (investimento em dívida de sociedades)" a três e seis meses, e quem negociava com esses clientes "era o Dr. Ricardo". Os investidores venezuelanos, que compraram em larga escala dívida de sociedades do GES e clientes do BES, via Petróleos da Venezuela (PdV), acabaram por reduzir a sua exposição entre Julho e Agosto, adiantou a directora financeira do banco. E confirmou que as empresas do GES, como ESI, Rioforte e ESFG, já não conseguiam emitir dívida a prazos mais longos. Para a ex-directora financeira do BES, desde Julho de 2014 que o BdP tinha conhecimento das operações com obrigações, assim como junto de quem a divida estava colocada.
 
O que sabia a troika?
À pergunta do deputado do PCP Miguel Tiago, sobre se o BdP e a troika tinham conhecimento detalhado da carteira de clientes do BES, nomeadamente, da exposição do BES ao GES, Isabel Almeida respondeu: "Sim, creio que sim." E explicou: “Eu não participava nesse reporte à troika, mas a informação que era fornecida era muito detalhada".

Miguel Tiago inquiriu ainda se a troika pressionou o BES para realizar o aumento de capital de Maio e Junho de 2014, tendo a ex-directora evocado uma reunião de 24 de Fevereiro de 2014, em que participou substituindo Joaquim Goes, e em que foi apresentado "o funding and capital plan”, que apontava para a necessidade de o BES reforçar o capital. Mas na reunião, foi-lhe dito que o "banco deveria preparar-se para um aumento de capital", pois as medidas inscritas no plano, que incluía venda de activos, não eram suficientes."

Já durante a tarde desta terça-feira, depois de uma pausa de cerca de uma hora na audição, Isabel Almeida foi clara ao declarar que do BES "não desapareceu dinheiro nenhum" e que o esquema de emissão de colocação de dívida do banco, classificado pelo BdP de fraudulento, tem "uma explicação lógica", mas tem pena de não poder esclarecer os deputados alegando a sua condição de arguida em vários processos.

"A recompra de obrigações foi aprovada a 2 de Julho no comité Alco" por receio de que "o preço das obrigações levasse à fuga de depósitos", explicou Isabel Almeida. Os investidores "eram de um espectro grande", nomeadamente private banking, e ela própria comprou “obrigações com vencimento em 2022". E foi só a 31 de Julho que o BdP avisou o BES "para não recomprar mais obrigações, a não ser que houvesse acordo com os clientes para o fazer".

Três dias depois, o BES foi intervencionado. E, dos 860 milhões de obrigações recompradas, cerca de metade não visavam a sua venda, mas o clima de instabilidade que se gerou nos mercados "levou a que dessem ordens de venda".

A bancária recusa ter ido ao conselho de administração de Vítor Bento, a 21 de Julho, falar "em esquema" Eurofin "fraudulento": "Não confessei nada. Não há nada para confessar. Nada estava escondido. E não chorei".

 

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