Venda de parte da praia da Armação de Pêra a um privado continua a gerar polémica

O grupo que adquiriu mais de três hectares de areal por 200 mil euros quer oferecer um apoio de praia que ali já existia à junta de freguesia, mas não pode, porque este é clandestino.

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Os apoios de praia mais antigos continuam ilegais Vasco Célio

A parcela nascente da praia de Armação de Pêra tem um proprietário, mas o investidor não pode dizer “sou o dono disto tudo”. Pagou, há três anos, 200 mil euros por um troço de areal com mais de três hectares. Agora diz que quer “ajudar” a comunidade local, mas a associação dos pescadores não acredita na sua boa-vontade. Entretanto, o Ministério Público voltou, nos últimos meses, a questionar a Câmara de Silves para apurar se terá existido “eventual violação do interesse público” na venda deste troço do litoral algarvio.

A zona nascente da praia, com a área de 31.696 metros quadrados, passou há três anos para as mãos de privados, porque o Estado não exerceu o direito de preferência na sua compra. A propriedade, vendida por 200 mil euros, inclui um campo de futebol, cinco apoios de praia – dois dos quais continuam ilegais -, e ainda as instalações da Lota e da Cruz Vermelha. O terreno em causa é propriedade privada, pertencia à família Santana Leite desde 1913, mas sempre teve utilização pública. O que pretendem os novos donos? “Valorizar e requalificar Armação de Pêra”, diz Manuel Cabral, em nome da Sociedade Praia da Cova, Realizações Turísticas, SA, que pertence ao grupo Vila Vita, adiantando que apresentou na Câmara de Silves “uma minuta para elaborar um protocolo, com vista a uma candidatura a fundos comunitários - só faltava assinar”. A proposta foi apresentada ao anterior executivo, liderado pelo PSD. “Deixaram perder a possibilidade de um investimento de 900 mil a um milhão de euros – o prazo caducou a 2 Dezembro de 2013”.

O representante da empresa turística diz que só “quer ajudar a melhorar a qualidade de vida” nesta localidade piscatória que se tornou um destino turístico. Não encontrou receptividade. O projecto de requalificação ambiental que propôs ao município não teve sucesso. “Perderam uma candidatura a fundos comunitários, na qual assumíamos a comparticipação nacional [25%] até ao montante de 300 mil euros”, critica Manuel Cabral. O arranjo paisagístico e ambiental que pretendia desenvolver, através dessa candidatura, incluía a construção de uma rotunda, parque de estacionamento (no lugar do antigo campo do Clube de Futebol Os Armacenenses), e o embelezamento do espaço envolvente.

A presidente da associação dos pescadores, Tânia Oliveira, diz que não acredita na generosidade do investidor. “Com certeza que não comprou a praia para oferecer aos pescadores”, ironiza. A comunidade piscatória, enfatiza, “não abdica de usar o espaço que lhe está destinado por direito”, avisa. O empresário, por seu turno, não esconde a “difícil relação” em dialogar com a dirigente associativa. “Tentativa de dividir para reinar”, comenta Tânia Oliveira, referindo-se ao investidor. Manuel Cabral promete: “Vou ajudar os pescadores, tenho lá amigos de há mais de 30 anos”.

A presidente da Câmara, Rosa Palma, da CDU, adiantou que o município está preparar, em parceria com a Associação dos Pescadores, uma candidatura a apoios comunitários para a compra de um novo tractor para rebocar os barcos e uma outra para a criação de um espaço, com condições de trabalho, para arrumo das redes. Manuel Cabral comenta: “Comparado com o valor da candidatura perdida, isso são peanuts”.

Um dos apoios de praia mais antigos é o “Pedro’s Bar” que integra o conjunto dos cinco equipamentos balneares adquiridos juntamente com a praia pelo grupo alemão Vila Vita Parc, também dono de um luxuoso resort na Senhora da Rocha, em Lagoa. “Quero oferecer o “Pedro´s Bar à junta de freguesia, mas não posso, porque, legalmente, não existe”, diz Manuel Cabral. Esta é uma das edificações clandestinas implantadas em “terra de ninguém” a aguardar pela execução do plano de requalificação da zona nascente da praia de Armação de Pêra. O dono do estabelecimento, João Pedro Santos, adquiriu o direito à exploração por concurso público lançado há 24 anos pela junta de freguesia. À autarquia paga 500 euros mensais de renda. Porquê a cedência à junta [presidida por Ricardo Pinto, PSD] e não ao município? “Por que é a junta de freguesia que zela pela limpeza”, justifica Cabral.

Entretanto, foi instalado nesta faixa da praia um novo apoio de praia, que se juntou a outros já antigos que aguardam legalização. Mas este, apesar das dúvidas suscitadas pela compra do terreno, foi aprovado. Segundo a presidente da câmara, foi concedido o licenciamento porque “o proprietário apresentou a caderneta predial e registo do terreno, estando em conformidade com as exigências legais”. Porém, a autarca revela algumas dúvidas sobre até onde pode chegar o direito privado numa área que continua a pertencer ao Domínio Público Marítimo. “Aguardamos com alguma expectativa a posição do Ministério Público (MP), que nos últimos meses tem vindo a pedir esclarecimentos à câmara sobre esta matéria”, adiantou.

A investigação do MP teve início em 2013 na sequência de um pedido de intervenção da Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitada pelo advogado Fernando Serpa, vereador do PS, suscitando a questão da titularidade da parcela. O Conselho Consultivo da PGR informou depois que não lhe cabia a “apreciação concreta da matéria em apreço”, mas, “por estar em causa matéria relativa a eventual violação do domínio público”, remeteu cópia do expediente para o procurador da República coordenador do círculo de Portimão.

O gabinete da ministra da Agricultura e do Mar, em Fevereiro do ano passado, face às dúvidas suscitadas pelos deputados do PSD, eleitos pelo Algarve, respondeu que da venda desta parcela da praia “não resulta qualquer prejuízo para o Estado nem para o ambiente”, porque as normas previstas no Plano de Ordenamento da Orla Costeira “vinculam ao mesmo tempo entidades públicas e privadas”.

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