Juízes expulsos de Timor não interferiram nos processos de petróleo, garante procuradora

Glória Alves, uma das magistradas visadas pela ordem de expulsão, acusa o Governo timorense de tentar "impedir o normal funcionamento dos tribunais".

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Xanana Gusmão referiu motivos de “força maior” e de “interesse nacional” Adriano Miranda

A procuradora portuguesa Glória Alves, uma das magistradas visadas pela ordem de expulsão do Governo timorense, afirmou nesta sexta-feira que os juízes expulsos de Timor-Leste não tiveram qualquer interferência nos processos das petrolíferas."Nem eles nem eu", acrescentou, à chegada a Portugal.

“Nenhum dos juízes expulsos teve qualquer interferência nos processos. A expulsão e a resolução são fundamentadas com os insucessos do Governo timorense nos processos relativos aos petróleos e aos pagamentos das taxas pelas empresas petrolíferas", afirmou a procuradora, que abandonou Timor-Leste na quinta-feira.

O Governo de Timor-Leste ordenou na segunda-feira a expulsão, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais, cinco juízes e uma procuradora portugueses, um procurador cabo-verdiano, e um oficial da PSP.

No dia 24 de Outubro, o Parlamento timorense tinha aprovado uma resolução a suspender os contratos com funcionários judiciais internacionais “invocando motivos de força maior e a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional” e outra a determinar uma auditoria ao sistema judicial do país. Os motivos de “força maior” e de “interesse nacional” invocados pelas autoridades timorenses nas resoluções, segundo o primeiro-ministro, referem-se a 51 processos no tribunal no valor de 378 milhões de dólares de impostos e deduções ilícitas que as petrolíferas devem ao país, que o Estado timorense perdeu.

“Nenhuns destes juízes que foram expulsos tiveram qualquer interferência nos processos do petróleo. O procurador cabo-verdiano que foi também expulso teve uma interferência nos processos do petróleo apenas como parte acessória, o que quer dizer que a defesa do Estado foi entregue a advogados privados e, portanto, são esses a parte principal dos sucessos ou insucessos que o Governo terá, porque não há processo nenhum transitado em julgado”, acrescentou.

A defesa do Estado timorense naqueles casos é assegurada pela sociedade de advogados norte-americana Arent Fox. “Os processos que estão em tribunal estão todos em fase de recurso. A decisão de primeira instância foi desfavorável ao Governo, mas estão todos em recurso. Neste momento, Timor não está condenado em nenhum dos processos do petróleo”, salientou Glória Alves, que é procuradora há 24 anos.

A magistrada pensa que a expulsão “não terá nada a ver com os processos do petróleo”, mas com uma “tentativa do Governo timorense de impedir o normal funcionamento dos tribunais”. “Se virmos o timing da resolução, esta sai numa sexta-feira com uma reunião do Parlamento, uma reunião do Conselho de Ministros e publicada no mesmo dia. O processo da ministra das Finanças tinha agendado a primeira sessão na segunda-feira e, portanto, penso que isto tem de ser lido”, salientou Glória Alves, acrescentando que são os muitos processos em tribunal contra elementos do Governo e altos funcionários.

O julgamento da ministra das Finanças de Timor-Leste, Emília Pires, por alegada participação económica em negócio foi adiado sine die a 27 de Outubro passado, porque o Parlamento timorense ainda não levantou a imunidade à ministra e porque o Tribunal Distrital de Díli não teve ainda acesso ao processo, que está no Tribunal de Recurso, depois de a governante ter invocado nulidades na acusação. “Para mim, esta expulsão tem apenas que ver com a tentativa do Governo de impedir o normal funcionamento dos tribunais em relação aos processos criminais”, declara a procuradora, que esteve em Timor-Leste dois anos.

Gabinete Anti-Corrupção arrombado
Glória Alves dá ainda conta do facto de o Gabinete Anti-Corrupção, no qual trabalhava juntamente com colegas timorenses, ter sido recentemente arrombado. "Aparentemente não levaram nada. Deviam andar à procura de alguma coisa".

Os magistrados internacionais tiveram grandes “manifestações de apreço e de obrigado” por parte dos colegas timorenses, descreve. “Não sou política, não vim para aqui fazer política. Fui para Timor para exercer as minhas funções com dignidade e com respeito pela lei e pela Constituição e fi-lo e os meus colegas timorenses disseram-no em público”.

“A dignidade de procuradores e juízes foi posta em causa. Só havia uma coisa a fazer: mandarem-nos para Portugal”, conclui Glória Alves.

Entretanto,  o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, diz "esperar" que a expulsão de juízes portugueses de Timor Leste "não afecte outros domínios da cooperação" entre este país e Portugal. "O Governo acho que já se pronunciou com clareza sobre este assunto. Há regras e princípios que não devem ser postos em causa", acrescentou.

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