Aécio marca pontos no último debate televisivo

No dia em que as sondagens o colocam a apenas três pontos de Marina Silva, Aécio Neves conseguiu perturbar Dilma com a corrupção na Petrobras. Marina teve uma prestação apagada, a Presidente reclamou louros pelas políticas sociais e os “nanicos” envolveram-se em duras discussões por causa da homofobia de Levy Fidelix.

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Aécio Neves pareceu mais seguro do que Marina Silva no último debate antes das eleições Ricardo Moraes/Reuters

Embalado pelas sondagens que o colocavam a apenas três pontos da sua mais directa opositora, Aécio Neves, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), entrou no último debate televisivo, organizado pela poderosa TV Globo, seguro e confiante e acabou por bater por pontos não apenas Marina Silva, com quem disputa a passagem para a segunda volta, mas também Dilma Rousseff.

Com a corrupção na empresa estatal Petrobras a dominar as atenções, Aécio revelou conhecer dossiers tão diversificados como os da sustentabilidade ou do sistema prisional e impôs o seu discurso incisivo a uma Marina Silva que, apesar da sua autenticidade, mostrou não ter argumentos nem combatividade para enfrentar os seus adversários. Em momento algum se chegou a uma situação de vitória decisiva, mas o balanço do debate acabou por ser mais favorável para Aécio.

Interpelada por Luciana Genro, candidata do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) sobre o caso de corrupção na Petrobras, a Presidente afirmou que “há corruptos em todo o lugar”, mas deixou uma porta aberta para o primeiro ataque de Aécio Neves quando elencou as medidas do seu Governo para atacar o problema. Para sublinhar a sua preocupação, afirmou que o Governo demitiu Paulo Roberto Costa, o ex-director de abastecimentos da empresa pública que está detido e beneficiado pelo estatuto de delação premiada, que lhe permitirá uma redução de pena em troco da colaboração com as autoridades judiciais.

Aécio desmentiu a Presidente, ao dizer que não foi o Governo quem demitiu o gestor, mas que foi ele quem se demitiu. E acentuou a sua ofensiva, ao dizer que, com a demissão, veio um elogio do Governo pelos “serviços prestados, ele que tem de devolver 70 milhões de reais (22 milhões de euros)” aos cofres do Estado, lembrou Aécio. Levando mais longe o seu ataque, o candidato do PSDB lembrou que esse dinheiro que Costa “roubou” dava para pagar “420 mil bolsas família”.

Dilma retorquiria lendo um documento da Comissão Parlamentar de Inquérito em curso no Senado, no qual Paulo Roberto Costa diz que foi demitido e explicou que o ministro da Energia, Edson Lobão, lhe tinha comunicado que seria substituído no cargo. Mas foi incapaz de explicar o que levou o Governo a elogiar os serviços prestados. Motivo para Aécio a acusar de colocar “o Estado brasileiro ao serviço de um projecto de poder”. Para o candidato, “o Brasil não é de todos nós, é do partido do Governo”.

Depois de flagelar Dilma, Aécio teve oportunidade de atacar Marina Silva, lembrando que “militou 24 anos no PT e estava lá no tempo do Mensalão” (um escândalo de compra de votos para viabilizar o Governo de Lula, em 2005). O candidato lembrou ainda que, quando foi ministra de Lula, Marina Silva nomeou para altos cargos do seu ministério militantes do PT derrotados em actos eleitorais e perguntou: “Onde está a nova política”? Marina não escondeu a sua indignação por Aécio a colocar ao nível de outros políticos e lembrou por que saiu do PT: “Para manter as minhas convicções”.

Dilma regressaria ao tema ao afirmar que “há quem combata a corrupção para defender a Petrobras, mas há quem combata a Petrobras para a privatizar”, lançando de seguida a pergunta a Aécio sobre se considerava a hipótese de privatizar, não apenas esta empresa estatal do sector da energia, mas também os bancos públicos Caixa Federal, Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES). Aécio defendeu que a Petrobras deve ser “devolvida aos brasileiros” e reclamou “uma gestão que engrandeça a empresa”. Depois, aproveitou a oportunidade para lembrar que no anterior governo do PSDB, com Fernando Henrique Cardoso na presidência, a privatização de empresas como a Embraer ou das telecomunicações fora um sucesso. E contrapôs: “Imagina a Embraer nas mãos do PT?”. Para o candidato, as empresas públicas, como os bancos, “tornaram-se cabides de empregos”, enquanto a Petrobras foi entregue a “uma quadrilha”.

Nesta função de desgaste de Dilma Rousseff, participou ainda o Pastor Everaldo, do Partido Social Cristão, que lamentou o facto de a estatal “ter saído das páginas da economia para entrar nas páginas criminais” dos jornais. E Marina Silva juntou-se ao coro. Contrariou Dilma por ter tolerado um caso como o da Petrobras durante 12 anos e recordou que as investigações avançaram não porque o Governo as autorizou, como Dilma afirmara, mas por causa da independência do Ministério Público e da Polícia Federal (PF), que a Constituição garante. “A PF é um órgão do estado, não do Governo”, disse Marina. Dilma responderia: “Se hoje essa corrupção está sendo descoberta foi porque nós investigámos”.

A governação, e em concreto as políticas sociais, foi o segundo tema mais debatido e animado do debate. Dilma procurou trazê-lo para discussão por saber que, no essencial, nenhum dos seus opositores quer mudar as opções políticas do Governo. Por isso, a Presidente esteve particularmente à vontade a falar do programa Bolsa Família, que apoia 14 milhões de famílias mais pobres, do Minha Casa Minha Vida, que permite a construção de 3,6 milhões de casas para famílias de baixos rendimentos; ou do Pronatec, que criou oito milhões de vagas no sistema de ensino técnico. “Nós colocámos os pobres no orçamento”, diria a Presidente.

Quer Aécio, quer Marina não puseram em causa estas realizações do Governo, mas prometeram melhorá-las. Aécio lembrou que o Bolsa Família é um programa cujas raízes remontam ao mandato de Fernando Henrique Cardoso. Marina afirmou que os “programas sociais devem ser estendidos” e prometeu o 13.º mês para os beneficiários do Bolsa Família. Já na política económica, Dilma garantiu que foi “bem-sucedida”, até no controlo da inflação [que ronda os 6,5%], lembrando que nos governos do PSDB chegou a atingir os 12,5%. Aécio responderia que, em 1994, o seu partido chegou ao Governo com a inflação em 916% e conseguiu baixá-la para os 7%.

Com Aécio e Marina empenhados numa trégua que indicia a necessidade de não causar feridas capazes de travar um entendimento na segunda volta, Dilma acabaria assim por ser a principal visada por todos os candidatos. Com excepção do escândalo da Petrobras, onde sentiu dificuldades em responder aos ataques contundentes e bem fundamentados de Aécio Neves, foi capaz de sacudir a pressão e de se apresentar como a candidata que “tem mais experiência, capacidade e força política para fazer reformas que o país necessita”. Aécio mostrou-se bem preparado e solto em todas as matérias, deixando em comparação com Marina um perfil mais executivo, mais técnico e consistente.

Para lá dos confrontos principais, os candidatos “nanicos” protagonizaram alguns dos momentos mais quentes do debate. Luciana Genro e Eduardo Jorge, do Partido Verde, exigiram a Levy Fidelix, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro que pedisse desculpas pelo ataque que fez à comunidade gay no último debate televisivo, mas Fidelix insistiu na defesa da “família e dos valores cristãos”. No auge dos ataques ao candidato, no qual nem Aécio, nem Marina, nem Dilma se quiseram meter, a candidata do PSOL afirmou que Levy Fidelix sustentou um “discurso de ódio” que “é o mesmo que os nazis fizeram com os judeus ou os racistas com os negros”. Para que não restassem dúvidas sobre a sua opinião, foi mais longe: “Devias ter saído algemado directamente para a prisão”.

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