Celebrar a paz com uma guerra em fundo

A paz que hoje se celebra devia avivar as memórias, para evitar perigosas aventuras no xadrez mundial.

No dia em que se celebra, em França, o célebre desembarque na Normandia, que há 70 anos marcou decisivamente o desfecho da II Guerra Mundial, as relações entre os países celebrantes estão toldadas por um cenário beligerante na Europa: a Ucrânia. E enquanto os veteranos que restam partilharão entre si memórias de dor e heroísmo, marcadas por milhares de mortes e pela coragem de garantir a vitória, os actuais líderes mundiais pesarão entre si aquilo a que estão dispostos para que o caso ucraniano se resolva dentro da legitimidade internacional conquistada a no pós-guerra.

Sem que haja qualquer paralelo entre os dois casos, não é demais lembrar que a ascensão de Hitler foi marcada por uma ambição de domínio e crescimento e que a anexação do território dos sudetas, na Checoslováquia, foi feita a pretexto de que os habitantes germânicos da Boémia e da Morávia estavam a ser ameaçados e queriam juntar-se à Alemanha (antes da I Guerra integraram o Império Austro-Húngaro), o que veio a acontecer com apoio interno. A Alemanha recuperava de um período de humilhação e ganhava força e confiança. E Hitler aproveitou-se disso para o seu plano expansionista e de extermínio. Travá-lo, depois de muito sofrimento e destruição, foi um imperativo que na Normandia ganhou corpo decisivo. Ora a Rússia de hoje está a renascer de um período de menorização que se seguiu à queda do comunismo e ganha, como nunca, confiança para levar adiante um plano de expansão económica e territorial (a Grande Rússia). A Crimeia forçou, por referendo, a adesão à Rússia a pretexto de que os cidadãos russos e pró-russos estavam a ser ameaçados pelo poder de Kiev. Com enormes diferenças históricas pelo meio, estas coincidências não deixam de ser inquietantes.

Obama deu, ontem, um mês a Putin para que faça a Rússia “voltar ao caminho da lei internacional”. A paz que hoje se celebra devia avivar as memórias, para evitar perigosas aventuras no xadrez mundial.

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