Administradores de insolvência questionam papel de “mentor” na recuperação de empresas

Associação quer abordar ideia do Governo na reunião com a Direcção-Geral da Política de Justiça, agendada para esta quinta-feira.

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Fernando Veludo/NFACTOS

A Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ) diz não entender onde se possa encaixar a figura de um “mentor” para acompanhar os planos de recuperação de empresas em dificuldades, em que os administradores judiciais já intervêm.

A intenção de garantir este aconselhamento empresarial foi avançada pelo presidente da Agência para a Competitividade e Inovação (Iapmei), Miguel Campos Cruz, que numa entrevista recente ao PÚBLICO defendeu ser preciso “algum tipo de acompanhamento” na preparação dos planos de viabilização dos negócios, sem “alterar a posição relativa dos gestores de insolvência”. Em aberto está a entidade a quem vai caber esta atribuição.

Confrontado com esta intenção, o presidente da APAJ, Inácio Peres, diz desconhecer que papel seria atribuído à figura de um “mentor” junto das empresas que recorrem ao Processo Especial de Revitalização (PER), um instrumento alternativo à insolvência direccionado para os negócios que atravessam dificuldades ou que, estando numa situação próxima da falência judicial, têm condições de recuperação.

“Não me parece que haja necessidade de [criar] mais figuras à volta deste tipo de processos”, contesta Inácio Peres, considerando antes prioritário que os administradores judiciais ganhem mais poder no processo de elaboração dos planos de viabilização das empresas. “O que defendo é que ao administrador judicial provisório nomeado podem e devem ser conferidos maiores poderes, nomeadamente atribuindo-lhe a tarefa de negociação efectiva entre os credores e o devedor e dar-lhe poderes expressos para elaborar o próprio plano de recuperação”. Isto porque “uma maioria significativa dos planos é elaborada pelas próprias empresas ou pelas empresas contratadas” e muitas chegam tarde ao PER em situação crítica, “já próximas da insolvência”, lembra.

Inácio Peres, que diz não ter ideia onde é que a figura “possa encaixar”, não teme um esvaziamento de funções dos administradores judiciais caso este acompanhamento realizado por um “mentor” se concretize. “Não vejo que isso, na prática, vá resultar e que venha resolver o problema”, reforça, questionado a utilidade desta intenção. Em entrevista ao PÚBLICO na semana passada, o presidente do Iapmei afastava a ideia de que a criação desta figura significasse uma crítica ao trabalho dos administradores judiciais.  

Desde que foi criado, em Maio de 2012, o PER recebeu até Abril deste ano cerca de 1700 pedidos, dos quais 1100 foram concluídos. Já no caso do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (Sireve), outro instrumento lançado para travar as falências de empresas com potencial de revitalização mas que é mediado pelo Iapmei, foram feitos 400 pedidos, mas só 200 foram concluídos.

Concentração de processos
Para esta quinta-feira, a APAJ tem reunião marcada com a Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) e, agora que a questão do “mentor” foi levantada, Inácio Peres conta colocar o tema em cima da mesa. Outra das preocupações da associação tem a ver com a concentração de processos num número restrito de administradores de insolvência. Um problema para o qual a associação alertou no início deste ano, numa carta que chegou aos tribunais, ao Ministério da Justiça, ao Conselho Superior da Magistratura e à Procuradoria-Geral da República.

A lei consagra como princípio que a nomeação de administradores nos processos de insolvência deve ser feita de forma equitativa “através de meios electrónicos”, mas a realidade mostra uma grande disparidade na atribuição dos processos: um grande número está concentrado nas mãos do mesmo responsável, havendo casos extremos em que o mesmo administrador tem na sua alçada mais de 300 processos e outros apenas meia dúzia ou mesmo um só.

Os dados da APAJ dão conta de 318 administradores em actividade em 2013. Entre estes há, por exemplo, o caso de um administrador a quem os tribunais atribuíram 400 processos, havendo ainda quatro administradores com mais de 300 processos; noutro pólo, contabiliza-se 63 casos com menos de dez processos, registando-se situações em que os administradores receberam apenas três, dois ou mesmo um só processo.

Para colmatar a falta de administradores de insolvência no país, face ao avolumar de casos nos tribunais (cerca de seis mil em 2013, apesar de uma descida ligeira), foi lançado um recrutamento urgente e extraordinário de 60 novos profissionais. O processo ainda está em curso. Com Raquel Almeida Correia

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