Passagem à prática de plano de cortes para 2015 pode ter efeitos limitados

Cortes nos consumos intermédios têm vindo a diminuir de ritmo, com o Governo a revelar cada vez mais dificuldade em descobrir onde cortar. Especialistas avisam que as previsões de poupanças podem ser demasiado optimistas.

Foto
A ministra das Finanças apresentou medidas como uma verdadeira reforma do Estado Enric Vives-Rubio

O anúncio feito pela ministra das Finanças das medidas a adoptar em 2015 para colocar o défice público desse ano em 2,5% veio revelar uma novidade desde que a troika chegou ao país: o Governo diz que não será com mais impostos ou cortes nas pensões e salários que se irá reduzir o défice. Desta vez, a solução passa a estar centrada em reduções de despesa conseguidas através de fusões e reorganizações nos serviços dos vários ministérios e na redução dos gastos com serviços informáticos e de consultoria, por exemplo.

Dos 1400 milhões de euros que o Governo quer poupar, 1050 milhões são atingidos com estas medidas, que Maria Luís Albuquerque não teve dúvidas de classificar como uma verdadeira reforma do Estado.

O problema está, é claro, na passagem à prática daquilo que por agora está apenas no papel.

João Loureiro, professor de Finanças Públicas na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, lamenta que só agora se opte por esta estratégia, temendo que possa ser tudo demasiado tarde e demasiado pouco. “Face à situação do país, quando a actual legislatura teve início, era expectável e desejável que ao longo do mandato do actual Governo tivesse sido levada a cabo um profunda reorganização do Estado”, afirma, defendendo que este tipo de processo “não é passível de ser feito em apenas um ano. Em rigor serão apenas alguns meses de 2015, porque haverá eleições no Outono”. Por conseguinte, defende, “alguma poupança de despesa que possa ser feita em 2015 será sempre limitada, fruto de pequenos ‘remendos’ e não de uma verdadeira reforma da administração pública”.

Os números disponíveis sobre aquilo que foi feito ao longo dos últimos três anos nas áreas que o Governo agora quer tornar prioridades também dão motivos para pouco optimismo em relação a grandes cortes no futuro. Olhando para a evolução dos consumos intermédios (despesas de funcionamento da administração pública que não incluem salários) desde 2010, fica-se com a nítida sensação de que a capacidade para reduzir este tipo de despesa tem vindo a diminuir com o tempo. Entre 2010 e 2013, registou-se uma redução da despesa com consumos intermédios de 8942 milhões de euros para 7903 milhões. Um corte de 1634 milhões que Passos Coelho, numa entrevista concedida à SIC na terça-feira, fez questão de apresentar como prova de que o Governo já fez muito para eliminar as "gorduras do Estado" durante os últimos anos.

No entanto, olhando para a evolução ano a ano, é notório que os cortes têm vindo a ser progressivamente menores. Para 2011, o Governo liderado por José Sócrates apresentou uma proposta de Orçamento em Outubro de 2010 que apontava para um corte de 400 milhões de euros nesta rubrica. Mas no final de 2011, já com Passos Coelho no poder desde Junho, o corte executado acabou por ser de 1039 milhões de euros. Com a troika acabada de chegar ao país, o sentimento de urgência no controlo orçamental e os novos planos de consolidação orçamental surtiram os seus efeitos.

Para 2012, a ambição de corte das despesas com consumos intermédios diminuiu bastante. No OE, apontava-se para um corte de 141 milhões de euros. No entanto, após mais rectificações ao OE e novas promessas de cortes feitas à troika, os cortes voltaram a superar as expectativas, ascendendo no final do ano aos 503 milhões de euros, cerca de metade do ano anterior.

No ano passado, o ritmo dos cortes baixou muito mais. No OE para 2013 apontava-se para um corte na despesa com consumos intermédios de 179 milhões de euros, mas no final a poupança não passou de 92 milhões. Um corte de 1,2% no total. Aparentemente, o executivo está com mais dificuldades em encontrar onde cortar. De tal modo que, para este ano, foi ainda menos ambicioso do que nos anteriores orçamentos, apontando para uma redução da despesa de 106 milhões.

Agora, ao fazer os planos para 2015 – e garantindo que nesse ano não haverá um contributo para mais poupanças dos salários e pensões –, a ambição voltou a subir para níveis elevados.

O Governo começa por querer poupar 730 milhões de euros, através da redução dos custos nos ministérios, com a reorganização e fusão de serviços e outras medidas de ganhos de eficiência. Não são para já nem identificados os serviços alvo de alterações, nem concretizada a forma como se irão obter ganhos de eficiência.

Paulo Trigo Pereira, professor de Finanças Públicas no ISEG, diz que as fusões e reestruturações para reduzir a despesa pública são um erro, pois "em nada reduzem a despesa pública e desestruturam os serviços”. E chega a uma conclusão: “Os 730 milhões de euros só poderão provir da nova tabela salarial única, ou seja, dos cortes salariais na função pública superiores aos actualmente existentes.”

Depois, nos planos do Governo, estão previstos cortes de 320 milhões de euros por via da redução dos custos com tecnologias de informação, consultoria, pareceres e trabalho especializado. Paulo Trigo Pereira considera que “há aqui lugar a poupanças”. Nas tecnologias de informação, por exemplo, assinala que “tipicamente cada organismo, mesmo tendo as mesmas competências, adquire as suas licenças de software de forma independente”. Todavia, mais uma vez, para Paulo Trigo Pereira, os números esperados pelo Governo para as poupanças arriscam-se a ser “um pouco excessivos”.  

Sugerir correcção
Comentar