O salário mínimo: reviravolta ou insensatez?

A existência de salário mínimo e a actuação dos sindicatos estão para o neoliberalismo, e seu capitalismo científico, dominantes na gestão europeia, após a crise das dívidas soberanas, como o toucinho estaria para o Maomé. Se se utilizasse uma terminologia calvinista, falar-se-ia assim duma espécie de depravação, logo os países endividados precisariam da ajuda de terceiros, para os libertar desse seu pecado original, face à incapacidade do seu livre arbítrio. O calvinismo inteletual nacional estrangeirado concordaria, obviamente.

Seja no memorando da troika, nas orientações do Conselho Ecofin (conselho europeu dos assuntos económico-financeiros), ou nos princípios que se tem passeado pelos documentos do Semestre Europeu, da tecnocracia europeia duraniana, lá tem estado, dogmaticamente, a teologia económica anti-regulação do mercado de trabalho. O Governo português, entre Março de 2011 e Março de 2014, aprofundou-a. Durante três anos, desvalorizou o salário mínimo e desmantelou a contratação coletiva. Esta foi então uma das faces da moeda.

A outra face esteve na redução drástica do papel do Estado. Não é esse aqui, porém, o mote.

O facto de o país ter sido apanhado, dramaticamente, pelo turbilhão mundial da crise financeira criou nele o clima perfeito para ser um laboratório experimental neoliberal, pois potenciava as teses do bode expiatório e o medo. Duas narrativas para ajudar: o socialismo e a democracia teriam deixado o país neste estado e só haveria uma via alternativa à implementada, a do caos e da fome.

É sob este contexto que se lembra aqui a afirmação, de 6 de Março de 2013, feita pelo sr. primeiro-ministro, na Assembleia da República, de que seria insensato aumentar o salário mínimo, face às propostas das oposições.
Ao longo destes três anos, o salário mínimo desvalorizou-se 5,3%. A contratação coletiva foi desmantelada, sendo as portarias de extensão bloqueadas, diminuindo 90% em apenas dois anos. Os acordos coletivos foram limitados, na sua aplicação, a trabalhadores e empresas não filiadas nas confederações e associação acordantes. Assim, o INE, no último inquérito sobre rendimentos, informaria que o limiar de pobreza estava em 409€ (416 em 2009), próximo do salário mínimo, logo 10,9% dos portugueses empregados (cerca de 500 mil), trabalham, mas, porém, pobres.

Há um artigo, de Pedro Silva Martins, ex-secretário do Emprego, elucidativo sobre esta visão revolucionária com que o governo iniciou a sua magistratura. Foi publicado no jornal Sol, no passado dia 24 de Março. Na sua opinião, os primeiros dados não negativos sobre o mercado de trabalho dever-se-iam àquelas alterações. Demonstrar-se-iam assim supostamente as conclusões esperadas de qualquer manual de macroeconomia neoclássico, inerentes à teoria da escolha pública de Hayek.

Para o futuro, Pedro Martins propunha que os acordos coletivos sejam anulados nas empresas em crise e se proceda à criação dum contrato único, isto é, a prazo para todos os trabalhadores.

Concluindo, a atual reviravolta governamental, propondo a atualização do salário mínimo, ou é insensata e anti natura, pelo genoma governamental, ou, então, é a declaração do falhanço num dos elementos fundamentais da política de ajustamento. Conjugar os fins eleitorais com a insensatez seria mais que irresponsabilidade, mas sobre isso não se faz processos de intenções.

Sugerir correcção
Comentar