Obama apela à união com a Europa contra a "força bruta" da Rússia

"Com o passar do tempo, enquanto nos mantivermos unidos, o povo russo reconhecerá que não pode alcançar a segurança, a prosperidade e o estatuto que procura através da força bruta", disse o Presidente dos EUA.

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Barack Obama reuniu-se com os líderes do Conselho Europeu, da Comissão Europeia e da NATO Saul LOEB/AFP

Todos os recados da Casa Branca aos países mais fortes da União Europeia (UE) para reforçarem a sua política de defesa, bem como os ressentimentos na Europa em relação à viragem norte-americana para a Ásia foram dar ao discurso proferido pelo Presidente dos EUA ao final da tarde desta quarta-feira, em Bruxelas. No coração do projecto europeu, que visitou pela primeira vez oficialmente, Barack Obama quis afastar quaisquer receios sobre as consequências das respostas a dar à Rússia e resgatar a importância das relações atlânticas para a política internacional de Washington, tendo como pano de fundo uma “ameaça” comum chamada Vladimir Putin.

No final de um dia recheado de visitas emblemáticas e reuniões com os estados-maiores da UE e da NATO e que o levou a prestar homenagem aos soldados norte-americanos que combateram nos campos da Flandres, durante a Grande Guerra, o Presidente norte-americano salientou a importância da União Europeia para a consolidação da democracia no mundo.

A crise provocada pela revolução na Ucrânia – que levou ao afastamento do Presidente Viktor Ianukovich – e a consequente integração da Crimeia na Rússia representa “um teste para a Europa e para os Estados Unidos, em defesa da ordem internacional que levou gerações a construir", disse Obama. Mas o Presidente norte-americano mostrou-se “confiante” de que os valores da “dignidade humana, dos direitos do homem e do Estado de direito triunfarão”.

Apesar da admissão de que já não será possível voltar atrás no tempo – a Rússia não pode ser “desalojada da Crimeia, nem dissuadida de uma eventual escalada [na Ucrânia] através da força militar” –, o Presidente norte-americano defendeu que a união entre a UE e os EUA terá resultados a longo prazo.

“Com o passar do tempo, enquanto nos mantivermos unidos, o povo russo reconhecerá que não pode alcançar a segurança, a prosperidade e o estatuto que procura através da força bruta”, afirmou Barack Obama, num discurso no Palácio das Bela-Artes de Bruxelas, o mais importante do périplo que o leva esta semana de Amesterdão a Riad, passando pela capital da Bélgica e por Roma, onde vai encontrar-se com o Papa Francisco nesta quinta-feira.

A reacção da Rússia à crise na Ucrânia, afirmou Obama, não remete para o período da Guerra Fria, porque não há ideologias em jogo. Na explicação – que o levou até a justificar, em parte, a invasão do Iraque em 2003, que condenara enquanto senador –, o Presidente norte-americano disse que “a liderança da Rússia está a desafiar verdades que pareciam evidentes até há poucas semanas de que no século XXI as fronteiras da Europa não podem ser redesenhadas à força, de que os povos e as nações podem tomar as suas próprias decisões sobre o seu futuro”.

“Mesmo no Iraque, a América tentou trabalhar no âmbito do sistema internacional. Não reclamámos nem anexámos o território do Iraque. Não nos apoderámos dos seus recursos em benefício próprio”, disse Obama.

Reforço da NATO a leste
Mas se a união entre a UE e os EUA é determinante para fazer frente à Rússia, o caso é mais simples no caso da NATO. A organização, garante Obama, “não vacilará” e “não deixará sozinhos” nenhum dos seus membros, numa mensagem aos três Estado bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) e à Polónia, que têm manifestado receios de que Moscovo possa entrar nos seus territórios.

A este propósito, o Presidente norte-americano e o secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, que se reuniram ao início da tarde, também em Bruxelas, manifestaram o desejo de reforçar a presença da organização atlântica na Europa do Leste.

“Não estamos à procura da confrontação, mas não hesitaremos, se formos desafiados”, avisou Rasmussen, numa das primeiras declarações claras sobre a possibilidade de uma resposta militar contra a Rússia. O Presidente Vladimir Putin e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, já disseram em várias ocasiões que não têm qualquer intenção de repetir o exemplo da Crimeia em outras regiões da Ucrânia, particularmente no Leste do país, de maioria russófona.

Antes, no final de uma reunião com os líderes do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, e da Comissão Europeia, Durão Barroso, o Presidente norte-americano já sublinhara a importância de os EUA e a UE dançarem ao som da mesma música: “O mundo é mais seguro e mais justo quando a Europa e os Estados Unidos são solidários.”

Ao incitar e concretizar a integração da Crimeia na Federação Russa, o Presidente Vladimir Putin cometeu um “erro de cálculo”, que o deixa cada vez mais “isolado”, disse Barack Obama – o erro de pretender “cavar um fosso entre a União Europeia e os Estados Unidos”.

O toque a reunir de Obama – que o jornal britânico The Guardian descreveu como a intenção de “fortalecer a coluna vertebral europeia em relação à Rússia” – assentou na exortação dos méritos da UE. “A Europa, e especialmente a União Europeia”, afirmou o Presidente norte-americano, “é a pedra angular do nosso compromisso no mundo.”

Ao seu lado, o presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, classificava a integração da Crimeia na Rússia como “uma vergonha”, que a UE nunca reconhecerá, e afirmava que “europeus e americanos estão prontos a intensificar” as sanções, se a Rússia promover uma “escalada” da situação.

Manter a união
A península da Crimeia passou a integrar a Federação Russa na sequência de um referendo cuja legalidade não foi reconhecida nem pela UE, nem pelos EUA. Nos dias que se seguiram à consulta popular, Washington e Bruxelas aprovaram a aplicação de sanções a dezenas de personalidades russas e ucranianas, que ambas as capitais acusam de terem instigado o processo que levou à integração da Crimeia na Rússia.

Enquanto a UE teve de ultrapassar divergências resultantes de interesses específicos de cada país e de uma maior exposição à economia russa – especialmente no mercado do gás –, os EUA aprovaram um conjunto de sanções consideradas mais duras, que incluíram a proibição de viagens e o congelamento de bens a alguns dos mais influentes empresários russos, como os irmãos Arkadi e Boris Rotenberg, antigos parceiros de judo do Presidente Vladimir Putin e donos de uma fortuna conjunta avaliada em mais de quatro mil milhões de euros.

Puxados pela voz da chanceler alemã, Angela Merkel, com um apoio cada vez maior do primeiro-ministro britânico, David Cameron, e do Presidente francês, François Hollande, os países da UE aprovaram sanções contra políticos russos e ucranianos e comprometeram-se a estudar a aplicação de sanções económicas à Rússia, mais uma vez no caso de Vladimir Putin agir de uma forma que os Estados-membros considerem que encaixa na definição de “escalada da tensão”.

No final da semana passada, durante o jantar de trabalho da cimeira de líderes da UE, o primeiro-ministro do Reino Unido confrontou os seus parceiros com o facto de que o endurecimento de sanções a aplicar à Rússia terá os seus efeitos nas economias europeias. “Quando damos um murro, podemos aleijar a mão”, foi a imagem utilizada por David Cameron. Nesta quarta-feira, o Presidente norte-americano sublinhou a mesma ideia, com palavras porventura mais elegantes: “A situação na Ucrânia lembra-nos que a liberdade tem um preço.”

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