A ciência como investimento

Há muito que os governos de Portugal mostram ignorar que os investimentos em ciência e educação rendem juros que os nossos economistas não sabem que existem, mas são reais.

“Queremos que a ciência portuguesa esteja cada vez menos dependente do Orçamento do Estado”, disse ao PÚBLICO (20-1-2014) o presidente da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), Miguel Seabra.

Há muito que os governos de Portugal mostram ignorar que os investimentos em ciência e educação rendem juros que os nossos economistas não sabem que existem, mas são reais.

É um facto que os cientistas têm alguma culpa (que não desculpa a ignorância dos políticos), porque não se deram ao trabalho de quantificar os resultados económicos – nos vários casos em que eles existem – da sua investigação. É uma realidade que muitos trabalhos de investigação não produzem, directamente, quaisquer resultados económicos. Mas são fundamentais para aqueles outros cujo valor cobre todos esses investimentos e ainda dão grande lucro.

O caso que melhor conheço é, naturalmente, a investigação agronómica, mas o problema é generalizável a todos os outros, como, por exemplo, a investigação médica.

Há 62 anos – foi em Janeiro de 1952 –, quando chefiava o Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, propus que ali fosse criado um "gabinete de estudos económicos". A sua função seria avaliar, ano a ano, quanto a agricultura tinha ganho a mais com a utilização das variedades novas, de cereais e de forragens, “fabricadas” na estação. Já nessa altura a Economia Agrária, com grande tradição em Portugal (D. Luís de Castro, Lima Basto, Henrique de Barros e seus continuadores), dominava perfeitamente a técnica para esses estudos.

A direcção nada fez. Mas, em 1967, nas comemorações dos 25 anos da estação, o seu primeiro director, ao tempo secretário de Estado da Agricultura, apresentou uma estimativa dos ganhos para a agricultura ao longo dos 25 anos de cerca de um milhão de contos, como resultado das variedades obtidas nesse organismo.  

Tenho a ideia de o secretário de Estado ter dito que o total investido na estação teria sido 25 mil contos. Não garanto em absoluto que tenha sido esse número, mas, mesmo que tenha sido mais, a desproporção entre investimento e lucro era enorme.

Um outro caso, este quantificado, foi a cura duma “doença” das vinhas do Douro, chamada “maromba”. As plantas ficavam mais atrofiadas e produziam muito menos. O caso foi estudado na Estação Agronómica Nacional. Verificando-se que não era resultado de fungos, bactérias ou vírus, foram estudadas as deficiências minerais, e foi encontrada a causa: uma deficiência de boro. O boro é um dos elementos de que as plantas necessitam em muito pequena quantidade, mas que, quando falta, causa problemas graves. Determinada a terapêutica – com a aplicação de pequenas quantidades de borato de sódio –, os sintomas desapareciam e as plantas retomavam a sua produção normal.

Na década de 1960, viajando de comboio para o Porto, tive a companhia do engenheiro agrónomo Orlando Gonçalves, ao tempo presidente da Casa do Douro. A Casa do Douro tem os registos de todas as explorações produtoras de vinho do Porto e das suas produções. Disse-me o eng.º Orlando Gonçalves que a solução do problema da maromba tinha dado à lavoura do Douro 28.000 a 30.000 contos por ano. Não tenho informação sobre o orçamento da estação agronómica nessa altura, mas creio que era menos do que esse valor. Note-se que essa melhoria continua até ao presente e avalie-se quanto isso representa hoje.

Um outro caso, também da estação agronómica, foi a criação da uva D. Maria. Foi obra do engenheiro agrónomo e silvicultor José Leão Ferreira de Almeida, que cruzou diferentes variedades de videira e obteve algumas novas, tanto para vinho como para mesa. Dum cruzamento entre a Rosaki e uma Moscatel obteve essa excelente variedade de uva branca a que deu o nome de sua mãe: D. Maria.

Quando, há mais de 20 anos, o Ministério da Agricultura fez, nas suas instalações, na Praça do Comércio, uma exposição da actividade dos seus serviços, fui encarregado de dirigir a da estação agronómica. Não consegui saber qual a área cultivada com as uvas D. Maria, nem qual o valor a mais, por hectare, em relação às variedade que foi substituir. Mas do que vemos nos supermercados, agora a ressurgir da guerra que lhe fizeram, em favor de algumas importadas, é certamente um valor muito alto.

São apenas alguns resultados, dos mais visíveis, dum universo muito maior, que tem sido destruído – na investigação agronómica e não só – em obediência à vergonhosa “lei”, não escrita mas religiosamente cumprida, que manda destruir toda a investigação científica pública que não seja das universidades. Como professor catedrático (jubilado), sinto-me insultado por tal prova de mediocridade e inveja.

Para finalizar estas considerações, resta-me dizer que não era sem razão que a Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, tinha laboratórios de Citogenética, de Sistemática e Fitossociologia, de Química, de Fitopatologia e um gabinete de Estatística Matemática, além dos departamentos mais directamente ligados à criação de melhores variedades de cereais e forragens. E a Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, tinha, além de outros, departamentos de Genética, Sistemática e Geobotânica, Pedologia, Entomologia, Fitopatologia, Fisiologia Vegetal, Estatística Experimental e Estudos Económicos, e um laboratório de Microscopia Electrónica.

Investigador coordenador e professor catedrático, jubilado

 
 
 
 
 
 
 

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