Bancos melhores não chega

Poucas instituições provocam, nos dias de hoje, tanto ódio como os Bancos. Há quem lhes atribua um poder que não me acredito mas o que é certo é que são muitos os exemplos de variados excessos e até maldades que tanto prejudicam a sociedade em que vivemos. Há quem, em extremo, considere que nem deveriam existir, outros, na minha opinião bem mais sensatos, que há um problema de regulação. No fim reclamamos que é preciso financiar a economia mas não queremos que os depósitos fiquem em risco. O desafio é que exista um compromisso sensato, uma consolidação de interesses entre os banqueiros, os empresários e os depositantes.

O modelo de negócio normal de um Banco é relativamente simples, pedem dinheiro emprestado a um preço e emprestam-no a um preço mais alto, se tudo correr bem ganham a diferença, se algo correr mal ganham menos ou perdem. Se perderem até ao limite dos capitais próprios não vem mal ao mundo, se perderem mais que isso colocam em risco quem lá colocou as suas poupanças, normalmente os depositantes.

Evidentemente que num modelo de negócio deste tipo o que está em causa é o risco que o Banco assume quando empresta dinheiro, muito em resumo se empresta muito ou pouco e com que critério o vai fazendo. Os reguladores podem impor limites e exigir determinadas formas de actuar. Não é nada consensual como o devem fazer. Tanto entre os Bancos Centrais como entre académicos há quem defenda práticas bem distintas.

A regulação sobre a actividade bancária tem evoluído e uma das áreas onde cada vez se presta mais atenção é a remuneração que é praticada. Fundamentalmente falamos não só dos montantes absolutos mas também na forma de remuneração, muito em particular do peso da componente fixa e da variável. Muitos defendem, eu incluo-me neste grupo, que uma parte substancial do perfil de risco dos Bancos que levou à crise financeira em 2008 deriva do tipo de remuneração dos gestores de topo. Não admira, portanto, que os reguladores estudem este tema e que imponham cada vez mais regras em relação à remuneração que é praticada nos Bancos. Começaram por o fazer apenas em relação aos membros executivos das administrações, recentemente alargaram a outros grupos de colaboradores.

No controlo do risco da actividade bancária pela regulação das remunerações tratam-se separadamente duas classes de pessoas. Por um lado aqueles que individualmente podem tomar decisões com impacto relevante nos resultados do Banco. É o caso, nomeadamente dos CEO’s e de traders que atuam nos mercados em nome do Banco. Por outro lado aqueles que colectivamente também tomem decisões relevantes para a performance do Banco. É o caso, por exemplo, dos membros das comissões de decisão de crédito.

Tentei encontrar suporte em estudos académicos sobre estas alterações na regulação. Nos estudos mais teóricos há dois grandes grupos, os que versam sobre os incentivos que os Bancos têm para realizar investimentos ineficientes, normalmente associados à protecção dos depósitos, e os que assumem que os gestores nem sempre actuam no melhor interesse dos accionistas dos respectivos Bancos. Entre os estudos empíricos em que se relaciona a remuneração com o risco da actividade, quase todos limitam as observações ao caso dos CEO’s dos Bancos, muito excepcionalmente aos membros da administração mas quase nenhum sobre outro tipo de colaboradores, o que se entende pela inexistência de bases de dados. Em abono da verdade refira-se que entre estes estudos nem sempre se conclui que o tipo de remuneração dos gestores conduza a um aumento do risco nos negócios bancários. Nos estudos empíricos em que se utiliza um período que inclui a recente crise financeira é normal que a investigação tente relacionar a performance dos Bancos durante a crise com o tipo de incentivos que eram dados aos respectivos CEO’s e vemos alguma evidência que os Bancos em que os interesses dos gestores eram mais alinhados com os interesses dos accionistas tinham piores resultados que os restantes.

Uma relação comum e que não se limita aos Bancos mas à generalidade das empresas é que as empresas que correm mais riscos são as que mais pagam aos seus gestores. Isto poderia não ser um grande problema e apenas uma característica mas as mesmas empresas que correm mais riscos têm, comparativamente, piores resultados nos períodos de crise e isso já é um problema e uma situação a evitar.

Toda esta questão dos riscos assumidos pelos Bancos tem uma importância particular no nosso país, em que tanto ouvimos dizer que as empresas e a economia em geral precisa de um apoio financeiro que a Banca tradicional não tem conseguido assegurar. É fácil dizer que os Bancos deveriam emprestar mais dinheiro mas já não é tão fácil conciliar isso com a segurança que queremos nos depósitos e com os rácios que precisamos que os Bancos cumpram de modo a termos um sistema financeiro seguro e sustentável.

Dificilmente o problema do apoio financeiro à economia se resolve com as alterações da regulação dos Bancos, antes pelo contrário, a alteração das regras a que a banca está sujeita, e que era necessária, até restringe o apoio que precisamos. Também não vejo como a alteração nas práticas de remunerações nos possa ajudar. Se essas práticas tiverem sucesso teremos Bancos mais seguros mas, mais uma vez, não necessariamente mais amigos da economia.

Faz todo o sentido que os reguladores limitem o risco que cada Banco pode assumir, o que poderá passar, não me choca, pela alteração da regulação quanto às remunerações, mas o financiamento de empresas que acrescentem valor tem que ser garantido, seja pelo mercado, seja pelo Estado. Conseguir que os Bancos fiquem melhor é louvável, mas não ao ponto de não lhes dar condições para cumprirem com o seu papel principal, o de financiar a economia.

Aceito que o problema não se resolva rapidamente pelo funcionamento normal do mercado. Os mercados ajustam-se e têm a habilidade de conjugar interesses da forma mais eficiente mas nem sempre com as soluções que mais queremos para a nossa sociedade. Não levo a mal que os Bancos se protejam do risco na conjuntura actual, os próprios perdem com isso porque não atingem os retornos que os accionistas pretenderiam mas as regras impostas pelos reguladores também não ajudam. O financiamento da economia é que não pode esperar, se os Bancos não o resolvem há um papel do Estado que esperamos o possa substituir. Não está em causa reverter as regras de mercado, ... mas sim conciliar os interesses de todos, a bem do País!

Consultor em projectos de investimento e seguros de crédito

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