Dívidas por cobrar nos tribunais chegaram aos 4800 milhões de euros

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A CIP alerta para a “concorrência desleal” por causa dos atrasos de pagamento Rui Gaudêncio

O valor das dívidas que entraram este ano nos tribunais, por via de acções de execução, já atingiu quase 4800 milhões de euros, superando em 500 milhões o montante da próxima parcela do empréstimo que o Estado português vai receber da troika. Se se mantiver o mesmo ritmo até ao final do ano, o valor irá superar os 5600 milhões registados em 2011, apesar de o número de processos estar a abrandar.

Dados cedidos ao PÚBLICO pela Câmara dos Solicitadores mostram que, entre 1 de Janeiro e 3 de Outubro, foram interpostas 171.724 acções, o que corresponde a uma média diária de 620. Ao longo de 2011, o número de processos alcançou 249.670 – 684 por dia. Se a tendência prosseguir até Dezembro, haverá uma redução nas execuções movidas em Portugal, rompendo com o ciclo dos últimos anos.

No entanto, os dados indicam que, em termos de valor, o comportamento é diferente. Enquanto no ano passado as mais de 249 mil acções estavam associadas a dívidas de 5,6 mil milhões de euros, nos primeiros nove meses de 2012 os quase 172 mil processos já atingiram perto de 4,8 mil milhões. Uma análise à média mensal revela que, em 2011, rondava os 470 milhões de euros, tendo subido este ano para 477 milhões.

José Carlos Resende, presidente da Câmara dos Solicitadores, explicou que este aumento no valor das cobranças judiciais de dívidas está muito relacionado com a escalada das falências judiciais, que atingiram 4727 empresas até Setembro.

Esta tendência é visível quando analisadas as execuções com valores superiores a um milhão de euros, geralmente desencadeadas por negócios que enfrentam graves dificuldades financeiras. Em 2010, deram entrada 386 processos deste tipo, com um valor global de 1,2 mil milhões de euros. No ano seguinte, o número de acções subiu para 503, tendo havido, em simultâneo, uma subida das dívidas para 1500 milhões. Entre 1 de Janeiro e 3 de Outubro de 2012, registaram-se 424 processos com valores superiores a um milhão e o montante global dos créditos por recuperar já alcançou os níveis de 2011, prevendo-se que o ultrapasse até ao final do ano.

Além da influência das insolvências de empresas, há outro factor que influencia a subida das dívidas: a crescente asfixia financeira das famílias, que acumulam créditos por pagar. Um estudo da Nielsen, relativo ao segundo quadrimestre de 2012, concluiu que um terço dos portugueses chega ao final do mês sem dinheiro e que, além de estarem preocupados com o aumento no custo de vida, apontam como segunda fonte de inquietação, antes até da segurança no emprego, o pagamento das despesas correntes, como a água ou a luz. As insolvências de particulares subiram 83% nos primeiros nove meses do ano (8964 casos).

O presidente da Câmara dos Solicitadores explicou ao PÚBLICO que "a grande massa das execuções" que dão entrada nos tribunais portugueses é deste tipo, estando maioritariamente relacionada com "cobrança de dívidas por prestação de serviços na área das telecomunicações". O segundo motivo mais frequente "são os empréstimos à banca", seja pelo incumprimento no pagamento das prestações da casa ou de créditos pessoais contraídos junto das instituições financeiras. Aliás, José Carlos Resende referiu que "mais de 50%" destas acções partem dos chamados grandes litigantes – as entidades que mais recorrem aos tribunais.

Muitas empresas têm vindo a dar conta deste fenómeno, acumulando provisões para a perda de receitas por causa das cobranças duvidosas. Na EDP, por exemplo, as dívidas por regularizar por parte dos clientes aumentaram 33 milhões de euros durante o primeiro trimestre de 2012, passando de 233 para 266 milhões, o que significou uma subida homóloga de 11,5%. Ao PÚBLICO, a empresa afirmou que "o rácio de dívida vencida tem-se mantido estável nos últimos 12 meses, com uma ligeira deterioração dos indicadores do sector empresarial".

Já a EPAL, que faz o abastecimento de água na área de Lisboa, referiu que tem vindo a "observar uma muito ligeira tendência de agravamento das dificuldades" dos consumidores, especialmente nos "domésticos e pequeno comércio".

Na Águas do Porto, o cenário tem sido diferente, verificando-se uma dívida "semelhante à dos anos anteriores". Mas isto porque a empresa tem optado por suspender o abastecimento em caso de incumprimento. Por dia, faz 50 cortes de água, em média. Além disso, admitiu que tem dado "a possibilidade aos clientes com dívida [que representam cerca de 5% do total] de poderem efectuar o pagamento de forma faseada", já que diz estar "ciente da crise económica que o país atravessa". Estão neste momento em curso 300 planos de pagamento em prestações.

Outro dado que comprova a escala das cobranças via judicial é o aumento do número de consultas às bases de dados do fisco por parte dos agentes de execução (os profissionais que acompanham estes processos). Estas listas, que passaram a estar facilmente acessíveis a partir de 2010, receberam nesse ano perto de 163 mil acessos. No ano seguinte, o número subiu para cerca de 421 mil. E, entre 1 de Janeiro e 3 de Outubro de 2012, já vão em 409 mil consultas. Além disso, a Lista Pública de Execuções, criada em 2009 para facilitar a identificação de devedores, já acumula mais de 30 mil nomes de empresas e de particulares.

Novas regras estão em análise

As novas regras das acções executivas estão em análise, depois de o Governo ter pedido a diversas entidades que se pronunciem até ao final de Outubro sobre uma nova versão do Código de Processo Civil (CPC). O objectivo é cumprir a meta a que o executivo se submeteu: levar a revisão ao Parlamento ainda em Novembro (depois de se ter comprometido a fazê-lo em Setembro).

Os processos de cobrança de dívidas deverão sofrer alterações, sobretudo no sentido de acelerar a sua extinção, quando não são encontrados devedores ou bens que permitam ressarcir os credores. A ideia inicial passava pela possibilidade de renovar a execução, caso fosse encontrado património, mas mediante o pagamento de uma taxa.

Além disso, o objectivo é fazer alterações que facilitem a penhora de contas bancárias, já que hoje é necessário que os agentes de execução peçam autorização ao tribunal para solicitarem informação às instituições financeiras, com demoras que podem chegar aos dois anos. Além de uma intervenção mais directa, prevê-se um encurtamento dos prazos para obter este tipo de dados.

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