“O primeiro obstáculo será dinheiro, o segundo o acordo de transição”

Charles Grant, analista britânico, diz que a UE quer dar prioridade nas negociações do "Brexit" aos aspectos mais espinhosos do divórcio. Só depois aceitará discutir o futuro das relações com Londres.

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"A posição da Alemanha será crucial nestas negociações" Andy Rain/Reuters

Quando as negociações finalmente começarem, qual é a primeira coisa que as duas partes têm de acordar?
Acho que [o chefe da equipa de negociadores europeus] Michael Barnier vai insistir na definição de um calendário, que deve ser o seguinte: este ano vamos discutir a questão dos pagamentos para o orçamento, os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido, o problema da fronteira da Irlanda do Norte. Estas são as suas prioridades para este ano e acho que os Estados-membros vão alinhar. Se o Reino Unido aceitar a metodologia, se aceitar que pagar a contribuição que a UE diz que lhe é devida, e houver progressos na discussão sobre os direitos dos cidadãos, então creio que no próximo ano será possível discutir o futuro das relações comerciais. Um acordo de livre comércio poderá ser discutido em 2018, ainda que certamente não vá estar terminado, em simultâneo com as negociações mais técnicas do “Brexit”. É isso que Barnier quer e acredito que o vai conseguir e que os britânicos terão de aceitar este calendário.

Acredita, então, que a UE vai manter-se firma na posição de não negociar o “Brexit” e o futuro das relações bilaterais em simultâneo, pelo menos nesta primeira fase?
É essa a minha leitura actual. Não haverá negociações simultâneas no primeiro ano, mas no próximo ano.

E qual vai ser o primeiro grande obstáculo que os negociadores vão ter pela frente. O dinheiro?
Sim, o primeiro será certamente dinheiro e o segundo será o acordo de transição. Muito provavelmente a UE vai exigir que Londres aceite durante este período a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, mantenha contribuições para o orçamento da UE e a livre circulação de trabalhadores. Exigências que podem ser politicamente muito difíceis para May. A UE pode não exigir tudo isto, depende muito do que o Reino Unido quiser que seja este período de transição. Mas se quiser manter partes do mercado único, então será esse o preço. Se for qualquer coisa menos ambiciosa pode ser possível um acordo de transição que deixe toda a gente satisfeita. Estas são as duas coisas mais difíceis — o dinheiro e a transição.

E haverá tempo para concluir este acordo de transição?
Tem que haver. Parte das negociações de saída tem de ser a discussão deste acordo. Mas possivelmente não será possível começar antes de 2018. Barnier não vai querer discutir isto antes, o que vai irritar os britânicos, mas ela não vai ceder.

Quão crucial para o sucesso destas negociações será uma boa relação de May com Berlim ou Paris?
Depende. Se [o candidato do SPD a chanceler] Martin Schulz vencer as legislativas alemãs será um pouco menos importante. Porque Schulz não domina a UE como a chanceler Angela Merkel. E apesar de Merkel ser hoje menos influente do que já foi, por causa de todos os problemas que tem tido, ela é sem dúvida muito influente.

A posição da Alemanha será crucial nestas negociações, um pouco menos se Merkel perder o poder. Se isso acontecer a questão é saber quem conseguirá unir os europeus no apoio a um acordo com os britânicos. Merkel tem um papel fundamental e May tem subestimado um pouco a relação com Berlim, talvez o ex-primeiro-ministro David Cameron a tenha sobrevalorizado, mas ela não lhe está a dar a importância devida. A França será sempre importante, mais que não seja porque é o segundo eixo essencial da UE e é importante cultivar boas relações com os franceses. Mas como vão ter um novo Presidente no Verão, essa pessoa vai demorar algum tempo a afinar o seu discurso europeu. Emmanuel Macron será mais rápido, porque tem um pensamento mais europeu do que François Fillon, mas qualquer um deles será bastante duro na abordagem às negociações, tal como Schulz será se for eleito — os sociais-democratas são tendencialmente mais duros com os britânicos, porque o Reino Unido não é um país muito social-democrata.

De qualquer forma, Londres terá de esperar até às eleições alemãs para ter uma visão clara do seu futuro.
Sim, haverá várias coisas que não vão ficar definidas até às eleições, mas outras podem ser resolvidas. As questões mais importantes terão de esperar pelo desfecho das legislativas alemãs.

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