A factura do "Brexit" azeda clima entre Londres e Bruxelas

Europeus avisam que sem acordo sobre quantia que Londres terá de pagar não será possível discutir o futuro das relações entre os dois lados. Britânicos alegam que não há base legal para exigir pagamento.

Foto
Ainda não será nesta cimeira que o Reino Unido vai oficializar a intenção de sair da UE Olivier Hoslet/EPA

Ainda não será durante a cimeira desta quinta e sexta-feira em Bruxelas que a primeira-ministra britânica vai iniciar o processo para a saída do Reino Unido da União Europeia – as alterações impostas pela Câmara dos Lordes à lei que a autoriza a accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa implicam o regresso do diploma aos Comuns, onde o Governo espera que as emendas sejam anuladas, arrastando o início do processo para o fim deste mês. Mas meses antes do arranque previsto para as negociações, os dois lados desentendem-se já sobre se Londres terá de pagar pela separação, um montante que pode ascender aos 60 mil milhões de euros.

Esta volumosa “factura de divórcio” entrou no noticiário britânico pela voz do ex-embaixador em Bruxelas Ivan Rodgers, que em Janeiro se demitiu criticando o “pensamento confuso” e as “posições mal fundamentadas” do governo de Theresa May na preparação para o “Brexit”. Em causa, explicou o diplomata, estão as contribuições britânicas para o actual orçamento da UE, em vigor até 2020, os projectos de desenvolvimento que o país se comprometeu financiar e que ainda não foram pagos ou as pensões dos actuais e antigos funcionários britânicos em Bruxelas.

A ala eurocéptica rejeitou este “pedido de resgate europeu”, como lhe chamou o jornal Telegraph, e dois relatórios publicados no último fim-de-semana vieram dar-lhes argumentos. Um deles, assinado por conselheiros jurídicos do Governo e citado por The Times, alega que nenhum tratado ou lei comunitária obriga o Reino Unido a manter as contribuições para a UE após o momento da saída, prevista para a Primavera de 2019. O mesmo concluiu uma comissão da Câmara dos Lordes, sublinhando, porém, que a falta de um entendimento poderá minar as hipóteses do Governo britânico de obter um acordo de livre comércio com os seus actuais parceiros.

“Sem um acordo nesta e noutras matérias, as negociações sobre o futuro das relações bilaterais não podem começar”, avisou Gianni Pittella, líder dos socialistas no Parlamento Europeu, comparando a atitude do Governo de May à de um “elefante numa loja de cristais”. Um diplomata europeu, citado pelo Guardian, foi mais explícito: “Não se trata de um preço para sair. É simplesmente aquilo que o Reino Unido deve. Se alguém pedir uma cerveja num pub tem que a pagar, mesmo que não a beba.”

Os 60 mil milhões de euros, referidos por diferentes dirigentes europeus, são para já apenas uma de várias estimativas sobre o valor total da factura a apresentar a Londres. Numa carta enviada terça-feira aos eurodeputados e a que a Reuters teve acesso, o auditor-chefe da UE apresentava números compatíveis com esse montante, mas sublinhava que o valor final só poderá ser fixado no âmbito das negociações.

Mas com a UE a insistir que o assunto tem de ser resolvido numa fase inicial da discussão, e perante a recusa dos eurocépticos britânicos em aceitar que seja pago sequer um valor muito abaixo daquele montante, teme-se que a discussão seja interrompida pouco depois de começar. “Se no final deste ano ou pouco depois ainda estivermos às voltas com a questão do dinheiro é altamente provável que os britânicos abandonem as negociações”, disse ao Politico um diplomata europeu. Para evitar este cenário, acrescentou, o chefe dos negociadores europeus, Michel Barnier, admite que, ao invés de começar por discutir o valor do cheque, as duas partes se entendam primeiro sobre os critérios que servirão de base à definição do montante final. 

Sugerir correcção
Ler 2 comentários