Marinha italiana recuperou barco em que morreram 800 migrantes no Mediterrâneo

Dentro do pesqueiro naufragado em Abril do ano passado podem ainda estar 350 corpos, que peritos italianos vão tentar identificar.

A embarcação naufragada, ao ser trazida à superfície
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A embarcação naufragada, ao ser trazida à superfície Marina Militar/REUTERS
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A embarcação naufragada ainda submersa Marina Militar/REUTERS
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A embarcação naufragada, ao ser trazida à superfície ANTONIO PARRINELLO/REUTERS
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A embarcação naufragada ainda submersa Marina Militar/REUTERS
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A embarcação naufragada, ao ser trazida à superfície ANTONIO PARRINELLO/REUTERS

A Marinha italiana conseguiu recuperar do fundo do mar e levar para Augusta, no Leste da Sicília, o pesqueiro que em Abril do ano passado naufragou com cerca de 800 pessoas a bordo, o pior naufrágio dos últimos anos no Mediterrâneo.

Na noite de 18 para 19 de Abril de 2015, o barco sobrecarregado afundou-se a cerca de 135 km da costa líbia, de onde era proveniente, quando chegou ao local um porta-contentores com bandeira portuguesa, que se tinha dirigido para lá, sob indicação da Guarda Costeira italiana. Só conseguiram resgatar 28 pessoas, mas estas disseram que havia muitas mais a bordo, e que teriam ficado presas nos conveses inferiores. No dia do desastre foram recuperados 50 corpos, e nos dias seguintes mais 169.

A indignação com este desastre foi o factor que levou a União Europeia a repor as acções de patrulha e salvamento no Mediterrâneo – que tinham sido interrompidas, pensando-se assim que se desincentivaria a imigração ilegal. Sob iniciativa da Comissão Europeia, tentou-se ainda lançar o sistema de quotas para distribuir os refugiados pelos vários países da UE – que encontrou tantas resistências que quase não funciona. Durante o Verão passado, o movimento de pessoas deslocou-se para a fronteira oriental do Mediterrêneo, fazendo com que a pressão se acumulasse na Grécia e nos Balcãs. A UE tentou resolver o problema fechando fronteiras e selando um polémico acordo com a Turquia para manter os refugiados fora da UE.

O almirante Pietro Covino, no entanto, tinha prometido, na altura do naufrágio, que a Marinha italiana iria fazer tudo para dar uma sepultura às vítimas, e recordar à Europa “quais os valores que realmente contam”, recorda a AFP. Conseguiu-o finalmente, embora fosse preciso reunir financiamento – do Governo e de diferentes instituições italianas, que colocaram recursos e pessoal à disposição da Marinha, para uma operação orçada em 9,5 milhões de euros.

Foi preciso encontrar os destroços, que estavam a 370 metros de profundidade, e construir, com a empresa Impresub Diving and Marine Contractor, uma estrutura metálica suficientemente forte para erguer das águas a embarcação, que se tinha afundado num local com fortes correntes.

“Este navio contém histórias, rostos, pessoas e não apenas cadáveres”, afirmou no Facebook o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi. “Obrigado à Marinha, estou muito orgulhoso.”

Segundo o almirante Covino, podem ainda estar dentro da embarcação entre 300 e 350 cadáveres. O pesqueiro, que já chegou a Augusta, vai agora ser colocado num grande hangar refrigerado, instalado numa base da NATO em Melilli, onde bombeiros com máscaras e fatos protectores vão ter a dura tarefa de extrair os corpos dos destroços.

A seguir será a vez dos especialistas forenses, que vão tentar identificar as vítimas, recolhendo todos os dados que conseguirem, e dando especial relevo ao ADN. Cerca de 20 universidades de toda a Itália devem participar nestes esforços de identificação, na esperança de ajudar os familiares a encontrarem os seus mortos.

“Após um ano, os corpos já não estão reconhecíveis. Mas isso não quer dizer que não sejam identificáveis. Já estão em decomposição, mas podem ser identificados”, garantiu em conferência de imprensa Cristina Cattaneo, médica-legista que já dirigiu operações deste tipo, embora de menor escala.

Quando os peritos forenses tiverem recolhido todos os dados de identificação, os cadáveres serão enterrados em cemitérios sicilianos. O pesqueiro azul que foi o seu caixão durante mais de um ano será limpo e destruído.

Ao mesmo tempo, está a decorrer na Catânia, ao Norte de Augusta, o processo contra o tunisino Mohammed Ali Malek, acusado de ter sido o capitão deste pesqueiro. A acusação pede 18 anos de prisão.

Se este naufrágio foi marcante pelo elevado número de vítimas, na verdade é apenas um episódio numa litania macabra: segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 10 mil migrantes já perderam a vida no Mediterrâneo desde 2014.

E apesar de um grande número de navios e meios aéreos patrulharem agora o Mediterrâneo, da Líbia continua a vir uma correnteza de gente com esperança de uma vida melhor, cujas vidas se afundam no mar. Só no fim de Maio, em três naufrágios morreram 900 pessoas

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