UE desiste das quotas obrigatórias para conseguir resposta comum à crise dos refugiados

Nova versão do plano Juncker prevê que sejam os Estados a decidir quantos refugiados vão realojar, mas resposta dos países de Leste ainda é uma incógnita. Só no fim-de-semana chegaram mais de 20 mil pessoas à Áustria

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De comboio, a pé, de autocarro, os refugiados viajam como podem em direcção ao Norte da Europa Nikolai Doychinov/AFP

Não é certo que à segunda seja de vez, mas há uma enorme pressão para que a União Europeia chegue nesta terça-feira a um acordo para a distribuição de 120 mil de refugiados – uma fracção cada vez mais pequena das centenas de milhar que chegaram à Europa. O atraso na definição de uma política comum está a aumentar o desnorte dos países na linha da frente desta crise humanitária, com fronteiras ora abertas ora fechadas e refugiados colocados à pressa em comboios para destinos incertos e muitos outros aguardando a sua vez em centros de acolhimento a abarrotar.

“Nenhum país se pode isentar [do acolhimento aos refugiados] ou deixaremos de pertencer à mesma união que foi fundada sobre valores e princípios”, avisou François Hollande, o Presidente francês, no arranque de uma semana em que a diplomacia europeia tentará recuperar algum do atraso que tem para a realidade no terreno. O ponto alto será a cimeira europeia extraordinária convocada para quarta-feira, mas Hollande disse esperar que a questão “extremamente delicada da distribuição dos migrantes” seja resolvida na véspera, durante a reunião dos ministros do Interior e da Justiça.

O que vai estar em cima da mesa não é uma proposta muito diferente da que foi discutida, sem sucesso, na reunião da semana passada. Mas o jornal Financial Times, que teve acesso ao rascunho em discussão, adianta que a fórmula de cálculo para definir quantos refugiados cada país teria de receber foi abandonada, estabelecendo-se o princípio de que serão os Estados-membros, e não a Comissão, a definir quantas pessoas vão acolher.

Os países de Leste, pouco habituados a lidar com fluxos migratórios, insurgiram-se contra o “carácter obrigatório” do plano apresentado pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, chegando a afirmar (sem adiantar números) que estariam disponíveis a acolher, de forma voluntária, mais refugiados do que aqueles que lhes tinham sido destinados. Resta saber se a cedência de Bruxelas é suficiente para superar o bloqueio dos países de Leste, que reuniram esta segunda-feira em Praga para definir uma posição comum. No final do encontro, o ministro checo dos Negócios Estrangeiros, Lubomir Zaoralek, faz saber que os intervenientes na reunião "estão comprometidos com a ideia de a UE chegar a uma posição comum durante o dia de amanhã".

A nova proposta, adianta o FT, deverá ter pouco impacto na forma como serão distribuídos os 120 mil refugiados que a Comissão propôs que fossem realojados, com os países mais ricos a acolher mais gente. Torna mais difícil, porém, que o esquema que vier a ser adoptado sirva de base a um mecanismo permanente que possa ser activado no futuro – prevê-se que em 2016 o número de refugiados a chegar à Europa não fique abaixo dos 440 mil que atravessaram este ano o Mediterrâneo.

A proposta de compromisso responde também às exigências da Hungria, que não queria ser classificada como “país beneficiário” deste plano de distribuição, dizendo que os refugiados que estão a atravessar o país vêm da Grécia e Itália – uma posição que indica que Budapeste, apesar da retórica anti-imigração e das medidas securitárias, planeia enviar para Norte todos os que continuam a chegar às suas fronteiras. O plano original previa que os restantes Estados fossem à Hungria buscar 54 mil refugiados, não sendo certo se essas vagas vão ser preenchidas na Grécia e Itália ou vão ficar de reserva.

Odisseia nos Balcãs
Arestas que os Vinte e Oito esperam limar a tempo da reunião de quarta-feira, libertando os líderes europeus para a discussão de uma estratégia de mais longo-prazo. A Reuters adianta que entre as prioridades estará o reforço da cooperação com a Turquia – portão de saída da Síria para a Europa – a transformação da Frontex numa verdadeira agência de fronteiras, com meios e capacidade de acção própria, e a criação de centros europeus de acolhimento nos países de chegada. Numa tentativa para estancar as chegadas às costas europeias, a cimeira vai também discutir o reforço da ajuda aos países vizinhos da Síria, onde vivem quatro milhões de refugiados, e às agências da ONU que aí trabalham.

“Esta é provavelmente a última hipótese de a Europa encontrar uma resposta unida e coerente" para a crise, alertou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, lembrando que "quatro mil pessoas continuam a chegar diariamente às ilhas gregas”.

Segue-se uma odisseia pelos Balcãs em direcção à Alemanha, destino final da grande maioria dos refugiados. A Croácia disse já ter recebido 29 mil pessoas desde que, na semana passada, a Hungria fechou a fronteira com a Sérvia. A etapa seguinte seria a Eslovénia, mas como aquela fronteira só a espaços tem sido aberta, os refugiados estão a ser levados de autocarro e comboio para a Hungria onde, apesar da política oficial do Governo, os refugiados são rapidamente encaminhados para a Áustria.

Só durante o fim-de-semana, mais de 20 mil pessoas, sobretudo sírios, chegaram à pequena vila austríaca de Nickelsdorf, na fronteira com a Hungria. A correspondente da BBC conta que a estação de autocarros local “se assemelha ao Apocalipse”, com lixo espalhado por todo o lado e famílias a dormir nos poucos espaços livres. Apesar das condições miseráveis, Saeed, um jovem sírio ouvido pela AFP, sentia-se recompensado: “Toda a gente sabe: assim que estás na Áustria podes dizer que chegaste.”

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