Estranho poder norte-americano

Como consegue uma nação que incorpora menos de 5% da população do nosso planeta liderá-lo?

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F-18 a bordo do USS Theodore Roosevelt REUTERS/Edgar Su

Tornou-se comum, porque óbvio, reconhecer que os Estados Unidos (EUA) são a atual superpotência. Os seus fluxos e refluxos económicos condicionam a evolução da economia global. O seu poder militar é imensamente superior ao de qualquer outro país. A sua influência política tem como consequência o facto de os grandes desígnios mundiais tenderem a ser fortemente impulsionados com a participação dos EUA e de se tornarem difíceis ou impossíveis sem ela.

Contudo, este é um país que possui menos de um vigésimo da população mundial, o que torna o seu real peso planetário num feito impressionante. Como consegue uma nação que incorpora menos de 5% da população do nosso planeta liderá-lo? É um erro imaginar-se que os EUA corporizam a força bruta. Um país cuja população é numericamente insignificante no cômputo mundial ganhou 40% de todos os Prémios Nobel atribuídos até hoje. Na ciência, na cultura, na medicina ou tecnologia este país define uma forte projeção. Entre as 25 melhores universidades do mundo 20 são norte-americanas e as poucas não americanas nesse ranking são britânicas e deixarão de pertencer â União europeia.

O poder militar dos EUA é avassalador e muito superior ao que o leigo habitualmente supõe. A sua força militar é gigantesca mas, para além do que é visível, os norte-americanos desenvolvem já tecnologias que parecem ficção científica e concebem já as novas gerações de armas do futuro. O fosso tecnológico militar é enorme entre este país e o resto do mundo e tenderá a aumentar fortemente sem qualquer hipótese de competição nas próximas duas  décadas. O mundo tem dificuldade em imaginar o poder de um avião F-35 e é difícil descrever a sensação de se estar num porta-aviões como o Roosevelt, com quase meio quilómetro de comprimento, 6 mil militares e aviões cujo poder é esmagador em comparação com a generalidade dos países do mundo. A China, a Rússia e a Índia tentarão aproximar-se. Não a Europa, sem suficiente coragem nos momentos críticos, que definem os líderes, e sem capacidades orçamentais. Mas a tecnologia militar norte-americana gerou também muitos dos conhecimentos científicos que hoje são aplicados em domínios como a medicina ou as energias renováveis. A Internet foi desenvolvida no seio das forças armadas dos EUA. Mais de uma centena de Prémios Nobel, de investigadores de muitas nacionalidades, foram financiados pelos norte-americanos.

A economia dos Estados Unidos igualmente evidencia vulnerabilidades. Este país foi o epicentro da recente crise financeira global, com que contagiou o mundo. Mas os EUA emergiram da recessão mais rapidamente do que a Zona Euro, por exemplo. E é oportuno sublinhar que o PIB per capita dos EUA é 48% superior ao da União Europeia. Isto é, um norte-americano é, em média, bem mais rico que um europeu.

Enquanto os Estados Unidos têm conseguido manter aproximadamente a sua quota da economia mundial a União Europeia tem perdido a sua, enquanto a Ásia ganha globalmente o que os europeus quantitativamente perdem.

O mundo do séc. XXI será um período tipicamente intercultural, o que beneficia competitivamente os EUA. Os Estados Unidos são a sociedade mais intercultural do mundo e assentam numa população composta por imigrantes que para ele convergiram, provenientes de todos os cantos do mundo. Na Europa Ocidental tornou-se moda falar-se de inovação e empreendedorismo. Pessoas que pouco inovaram na vida e que nunca empreenderam povoam os circuitos de palestras em que, com poses de transcendente intelectualidade, se proferem banalidades e verdades simplesmente óbvias. Nos Estados Unidos inova-se e empreende-se. Com menos pompa e menos pretensiosismo, mas com mais genuína criatividade. Não parece coincidência que Silicon Valley e os grandes saltos tecnológicos se situem nos Estados Unidos, enquanto novos centros tecnológicos revolucionários se multipliquem na China em locais como Shenzhen.

Quando os europeus geraram o mais sangrento conflito da história da humanidade foram essencialmente os norte-americanos e os soviéticos que vieram à Europa e que combateram e morreram para derrotar Hitler e para evitar que hoje vivamos num vasto continente nazi povoado por campos de concentração. Os EUA são um país capaz de arrogâncias e simplicidades, prepotências e generosidade. Cometem erros grandes mas protagonizam grandes gestos construtivos. Em muitas situações são irritantemente autistas.

Enquanto os europeus assistiram a um genocídio no seio da própria Europa, na Bósnia, e nada souberam fazer para além de discursos elegantes, enquanto seres humanos eram trucidados durante mais de três anos, os norte-americanos pararam essa tragédia com a coragem que a Europa não teve e que os livros de história para sempre recordarão com tristeza. Europeus na Bósnia foram massacrados sem que a Europa tivesse coragem para agir. No entanto, muitos políticos europeus segregam um anti-americanismo primitivo.

Como em tudo, é inteligente refletir-se sem complexos, sem ideias estereotipadas. E aprender-se reciprocamente.

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