Caracas é a cidade mais violenta do mundo, com 11 homicídios por dia

A América Latina domina o top 10 da violência urbana elaborado por um think tank mexicano. Na Venezuela, as causas são a instabilidade política e deterioração económica.

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Nos protestos contra o Governo de 2014 houve vários mortos Carlos Eduardo Ramirez/REUTERS

A capital da Venezuela, Caracas, foi a capital mundial dos homicídios em 2015. Segundo o relatório anual elaborado pela organização não-governamental mexicana Segurança, Justiça e Paz, com 3946 mortes no ano passado, a maior cidade venezuelana, de 3,3 milhões de habitantes, tornou-se o lugar mais perigoso do mundo – excluindo as zonas de guerra.

Com uma taxa de homicídios de 119,87 por cada 100 mil habitantes, Caracas tomou o lugar que nos últimos quatro anos pertenceu à cidade hondurenha de San Pedro Sula, com menos de 800 mil habitantes e onde em 2015 foram assassinadas 885 pessoas. A capital de El Salvador, San Salvador, é a terceira cidade mais violenta do mundo – e aquela que registou uma maior subida da criminalidade. Com o fim da trégua entre as violentas maras (quadrilhas) e o Governo, a taxa de homicídios aumentou 77% face ao ano anterior.

O Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal da ONG mexicana, uma das mais reputadas organizações independentes que estuda o fenómeno da violência urbana, publica anualmente um ranking das 50 cidades mais violentas do mundo, compilado a partir de informação oficial e estatísticas relativas às mortes por homicídio registadas em centros urbanos com mais de 300 mil habitantes. A lista não inclui as zonas de conflito, principalmente no Médio Oriente (Síria, Líbia…) para as quais não existe informação considerada credível.

Os dados apontam para o perigo que ameaça o quotidiano das populações da América Latina, onde se situam 41 das 50 cidades citadas no relatório – ao encontro, aliás, do que mostram outros índices, nomeadamente das Nações Unidas, sobre as regiões mais perigosas do mundo. No top 10, há três cidades venezuelanas (Caracas, Maturín e Valencia), duas das Honduras e da Colômbia, uma de El Salvador, do México e, única representante de outro continente, a Cidade do Cabo na África do Sul, com 65,5 homicídios por 100 habitantes.

Em termos de tendências, o Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal detectou uma deterioração da situação de segurança na Venezuela, e no chamado triângulo Norte da América Central: El Salvador, Honduras e Guatemala. Ao mesmo tempo, registou melhorias em cidades colombianas e mexicanas, onde a principal ameaça era atribuída ao narcotráfico: por exemplo, Medellín, que foi ao longo da década de 90 a cidade mais violenta do mundo, e Juárez, que dominou o ranking entre 2008 e 2010, deixaram de figurar na lista.

Campeã da insegurança

Fora do top 10, o ranking inclui 21 cidades brasileiras – Fortaleza, Natal e Salvador surgem na 12ª, 13ª e 14ª posição –, mas como assinalam os relatores, o nível de violência nas oito cidades venezuelanas que é muito superior: enquanto a taxa média de homicídios nas 21 cidades do Brasil é de 46,3 por 100 mil habitantes, nos oitos centros urbanos da Venezuela essa média dispara para os 74,5 homicídios por 100 mil habitantes. “Sem dúvida, a Venezuela é o país que apresenta o maior nível de violência urbana no mundo”, conclui o think-tank mexicano. Segundo o director do Conselho, José Antonio Ortega Sanchez, só em El Salvador e nas Honduras o grau de insegurança urbana se assemelha ao que se verifica na Venezuela.

Os autores do relatório esforçam-se por distinguir as diferentes causas por detrás da violência que assola estas cidades. Na América Latina, há diferenças significativas: na Venezuela, o número de homicídios está ligado à situação de instabilidade política e deterioração económica; no México, as mortes relacionam-se com o narcotráfico e nos pequenos países da América Central, a violência tem sobretudo a ver com a proliferação de gangues.

A actual conjuntura de tensão na Venezuela é terreno fértil para a disseminação da violência; dizem os analistas que existe um “caldo” perigoso a ferver no país, onde a enorme desconfiança dos cidadãos relativamente às autoridades e às instituições contribui para a sensação de insegurança (90% dos crimes de homicídio não são punidos). Além da violência política, em protestos e manifestações, a vida quotidiana está repleta de pequenas crises: confrontos entre contrabandistas e polícias, que resultaram no encerramento da fronteira com a Colômbia ou motins em supermercados que levaram o Exército a vigiar as entradas e saídas nesses estabelecimentos.

A turbulência política e económica tem obrigado o Governo do Presidente Nicolás Maduro a concentrar as atenções na sua sobrevivência, e pressionado pelo reforço do poder da oposição, que agora domina a Assembleia Nacional, e pelo risco da hiperinflação, o executivo tem relegado para segundo plano as suas tentativas para controlar a criminalidade. Para os autores do relatório, é um ciclo vicioso: a crise tem levado ao florescimento de actividades ilegais, principalmente o contrabando, que pelo seu lado contribui para a proliferação de grupos criminosos e o aumento da violência, que fica impune por causa da corrupção e do incumprimento generalizado da lei.

Mega-gangs

Ainda assim, alguns esforços foram feitos, particularmente na capital, para travar a expansão de mega-gangs, estruturas criminosas que se dedicam ao roubo, extorsão, raptos e mortes por encomenda. Segundo o Observatório Venezuelano do Crime Organizado, estas redes são colectivos de criminosos, que podem chegar a ter 200 elementos, organizados segundo um rígido sistema hierárquico por líderes detidos nas prisões venezuelanas – que são chamados pran, ou mandamás.

Mas como aconteceu durante os protestos anti-governamentais, a repressão das autoridades contra os mega-gangs só fez aumentar o nível da violência: logo após a constituição das Guardas Nacionais Bolivarianas, unidades paramilitares cuja missão era combater o crime organizado, foram feitas denúncias de abusos e violações dos direitos humanos. Entretanto, surgiram também relatos de que estas unidades e os gangues agiam em conluio.

Esta semana, Henrique Capriles, o governador do estado de Miranda (e adversário eleitoral do Presidente Nicolás Maduro), divulgou nas redes sociais vídeos filmados no interior da prisão de San Antonio, na ilha Margarita, um dos principais destinos turísticos da Venezuela: as imagens mostram prisioneiros armados até aos dentes com espingardas e armas automáticas, a disparar para o ar perante a passividade dos guardas, alegadamente numa homenagem fúnebre a Teófilo Cazorla, o pran daquela prisão. Conhecido como "El Conejo”, o traficante fora detido em 2003; depois de sair em liberdade condicional, no início do ano, foi abatido a tiro à saída de uma discoteca, no domingo passado.

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