Aumento em cima de aumento, em cima de aumento. Seja quem anda à procura de casa para comprar, seja quem anda à procura para arrendar, tem sempre a mesma impressão. O preço das casas não tem parado de aumentar, de ano para ano, mês após mês. E os rendimentos, os salários, nunca crescem ao mesmo ritmo.
O Eurostat, a entidade estatística europeia, monitoriza um indicador muito relevante para acompanhar esta problemática, o Housing Cost Overburden. Dito assim, em inglês, talvez se perceba melhor do que se está a falar — a sobrecarga, o fardo que é suportar o preço da habitação, incluindo as contas de electricidade, água e gás, por exemplo. Em português chamamos-lhe “taxa de esforço”.
Em 2010, os arrendatários com taxa de esforço superior a 40% em Portugal era de 17,6%. Estávamos, então, muito perto da situação da Alemanha, que registava 16,7%, e bastante abaixo da média europeia, que era de 24,1%. A Espanha, por exemplo, estava já nuns inconcebíveis 43,4%, em vésperas de estourar a bolha do imobiliário, espoletada com a chamada “crise do subprime", que em 2008 assolou o mercado norte-americano, primeiro, e depois o mundo. No final da década, em 2019, alguma coisa mudou. Os inquilinos com taxa de esforço superior a 40% dos países da União Europeia estava nos 26,2%, ou seja, aumentou cerca de dois pontos percentuais. Quase os mesmos que aumentou na Alemanha, que passou de 16,7% para os 18,3%. Mas a de Portugal disparou dos 17,6% para os 26,3%. A de Espanha melhorou um pouco, mas continuou gritante: passou de 43,4% para 37,4%.
Todos sabemos a falácia que podem trazer as estatísticas e a velha história de que, havendo duas pessoas e apenas uma galinha, cada uma delas irá comer metade. Sabemos que não, que os números enganam muitas vezes. Sabemos, por exemplo, que mesmo dentro de fronteiras o problema do acesso à habitação em Portugal não é o mesmo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto ou numa vila como Freixo de Espada à Cinta ou Fornos de Algodres. Mas o indicador da taxa de esforço ainda é, mesmo assim, um dos melhores para nos mostrar como em algumas regiões de Portugal o assunto assume um carácter de crise — ainda mais exposta, aos olhos de todos, com a pandemia de covid-19, altura em que ter casa não é apenas um direito (assim o diz a Constituição da República) ou uma necessidade, é também um caso de saúde pública.
Mas o que fez disparar o preço da habitação nos últimos anos? Porque é que em Portugal o problema se tornou mais grave do que em outros países da Europa? É o preço das casas que é muito alto, ou são os salários dos portugueses que são muito baixos? Propomo-nos responder a estas questões no conjunto de trabalhos que vamos publicar nas próximas quatro semanas, num diálogo entre o protesto e a proposta, de forma a ampliar o retrato do país e as respostas à crise habitacional que atravessa. Arrancamos esta série de análises fazendo uma espécie de voo panorâmico ao contexto europeu, para percebermos como tudo se passou até chegarmos ao ponto em que estamos, mas também a dimensão global e sistémica que esta crise assume.